1892: Fundado o teatro da companhia de Brecht
Um dos mais renomados teatros de Berlim, o Berliner Ensemble/Theater am Schiffbauerdamm tem uma trajetória dupla, como o próprio nome já indica. Berliner Ensemble é o nome da companhia criada por Bertolt Brecht em 1949, ano de fundação do novo Estado socialista alemão, e sediada alguns anos depois no Theater am Schiffbauerdamm, à margem do Rio Spree.
Assim como a companhia de Brecht, esse teatro ofereceu, desde sua fundação, em 1892, com a estreia de uma encenação de Efigênia em Táuris, de Goethe, uma importante contribuição às artes cênicas alemãs, sobretudo em sua vertente engajada e experimental.
Repertório proibido pela polícia
"A 26 de fevereiro (de 1893), a associação Freie Bühne, ressuscitada dos mortos para esta finalidade, estreou a peça Os tecelões, de Gerhart Hauptmann, no Neues Theater. A peça foi sabidamente proibida pela polícia local de ser apresentada num palco público – na visão das autoridades uma medida justificada, mas no fundo perfeitamente supérflua. Afinal, as críticas nos jornais de hoje demonstram que os policiais poderiam ter deixado a cargo da crítica burguesa a tarefa de estrangular Os tecelões lenta, mas garantidamente."
Esta crítica da estreia da peça de Gerhart Hauptmann (1862-1946), um marco do drama naturalista alemão, mostra que o Neues Theater, fundado um ano antes, iniciava uma trajetória de resistência política a ser prosseguida no futuro, mesmo após a ruptura do nazismo.
A peça, que retrata a repressão sangrenta de uma revolta de tecelões contra seus empregadores em alguns lugarejos da Silésia, teve estreia a portas fechadas, após a proibição de sua apresentação pública.
O Neues Theater (Teatro Novo), construído em estilo neobarroco às margens do Spree, foi inaugurado em 1892 como novo centro das artes dramáticas da Berlim da virada de século, produzindo montagens de peças naturalistas, simbolistas e expressionistas.
Além da estreia da principal obra do Nobel de Literatura Gerhart Hauptmann, o Neues Theater – que posteriormente seria rebatizado como Theater am Schiffbauerdamm, nome que remete ao endereço do teatro – encenou pela primeira vez peças do simbolista belga Maurice Maeterlinck (1862-1949), também Nobel de Literatura, e do precursor do Expressionismo alemão Frank Wedekind (1864-1918).
Max Reinhardt e o novo teatro de diretor
O teatro viveu sua primeira fase áurea entre 1903 e 1906, sob direção do ator e diretor austríaco Max Reinhardt, cuja legendária montagem de Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, viria a se tornar um marco na história do teatro alemão.
A encenação em palco giratório antecipava o estilo a ser desenvolvido posteriormente por Reinhardt: uma mistura do chamado "teatro do diretor" (regietheater – caracterizado por grande intervenção conceitual por parte do encenador); com uma nova forma de atuar, a ser apresentada posteriormente pelo Max Reinhardt Seminar de Viena; e também com a monumentalidade das produções, que jamais deixaram de atrair o grande público, apesar do alto nível de elaboração estética.
Após a saída de Reinhardt, que estaria ocupado nos próximos anos com a fundação de vários outros teatros em Berlim e Viena e com a propagação na nova linguagem teatral do Expressionismo, o Theater am Schiffbauerdamm passou a oferecer uma programação de peças de entretenimento e operetas. Só a partir de 1928, sob direção de Ernst-Josef Aufricht, o teatro retomaria sua trajetória de rigor e experimentalismo estético.
Ópera dos três vinténs e a ruptura do nazismo
A estreia de A ópera dos três vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, em 1928, viria a se tornar um outro marco do teatro alemão. "No final de agosto (...), assisti à estreia da Ópera dos três vinténs", escreve o autor búlgaro de língua alemã Elias Canetti. "Foi uma encenação refinada, friamente calculada. Era a mais precisa expressão daquela Berlim. As pessoas exultavam: o que estavam vendo eram elas mesmas, e elas gostavam se de ver assim. Primeiro encher a pança, depois vem a moral: impossível uma melhor expressão disso, algo levado realmente ao pé da letra."
Até ser ocupado pelos nazistas em 1933 e transformado em porta-voz popular da ideologia do regime, o teatro viveu alguns anos de intensa criatividade. Foi nesse período que o Theater am Schiffbauerdamm apresentou – por exemplo – Orfeu, de Jean Cocteau, na direção de Gustaf Gründgens.
O elenco dessa época contava com nomes de destaque do teatro e cinema da época, como Lotte Lenya, Peter Lorre, Ernst Busch e Helene Weigel, entre outros. Essa fase de intensa atividade artística se encerraria com a repressão nazista, o fechamento do teatro em 1944, devido ao agravamento da guerra, e a fase de transição durante os anos de reconstrução de Berlim.
Retorno de Brecht e o teatro socialista
Com a divisão da Alemanha, o Theater am Schiffbauerdamm ficaria em Berlim Oriental, a capital do novo Estado socialista. Em busca de uma identidade própria, a República Democrática Alemã (RDA) encontrou em Bertolt Brecht, recém-retornado do exílio americano e suíço, o representante da nova dramaturgia socialista.
"O teatro desta década deverá entreter, instruir e entusiasmar as massas. Deverá oferecer obras de arte que mostrem a realidade que o socialismo pode construir. Deverá, portanto, servir à verdade, ao humano e ao belo." Com tal meta, Brecht retomou o trabalho teatral interrompido em Berlim pelo Terceiro Reich, e montou sua companhia, o Berliner Ensemble (BE), em 1949, ano de fundação da RDA.
No entanto, Brecht ainda deveria trabalhar alguns anos como "hóspede" do Deutsches Theater, até 1954, quando o Theater am Schiffbauerdamm passou a sediar oficialmente sua companhia. Peças como O círculo do giz caucasiano, a Vida de Galileu, Mãe Coragem e A Mãe estrearam no Theater am Schiffbauerdamm, marcando o desenvolvimento de uma prática teatral de reflexão e crítica social a perdurar até hoje.
De Heiner Müller a Bob Wilson
Após a morte da atriz, esposa de Brecht e diretora do BE Helene Weigel, em 1971, o teatro passou por várias direções. Nomes como Peter Zadek, Matthias Langhoff, Heiner Müller, Martin Wuttke assumiram a chefia do BE após a reunificação da Alemanha. Uma legendária encenação da peça Arturo Ui, de Brecht, por Heiner Müller marcou a renovação da linguagem teatral do BE, mantendo o mesmo repertório de reflexão e crítica social.
Em 2000, o diretor Claus Peymann, um dos expoentes do teatro de direção alemão desde a década de 70, assumiu a chefia do Berliner Ensemble. Durante sua administração, o BE prosseguiu a tradição de cultivar a dramaturgia contemporânea de língua alemã, tendo estreado desde então peças de Peter Handke, Elfriede Jelinek, Franz Xaver Kroetz, Christoph Ransmayr, Botho Strauss e Peter Turrini. Entre os diretores que trabalharam com o BE, além de Claus Peymann, constam Robert Wilson, Peter Zadek, Luc Bondy, George Tabori, Thomas Langhoff e Leander Haussmann.
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