É possível construir navios de cruzeiro com emissão zero?
1 de março de 2024Quando o navio de cruzeiro MSC Euribia, com capacidade para 6.327 passageiros, realizou a viagem de quatro dias entre Saint-Nazaire, na França, até Copenhagen no ano passado, a MSC Cruzeiros celebrou o que chamou de "o primeiro cruzeiro com emissão zero de gases causadores do efeito estufa" .
A empresa suíça investiu pesado para financiar 400 toneladas de gás natural orgânico liquefeito para a viagem altamente mediatizada."O primeiro cruzeiro climaticamente neutro da indústria marca mais um passo importante no nosso caminho para as emissões zero", disse Pierfrancesco Vago, presidente executivo da divisão de cruzeiros do grupo MSC.
Mas, teria sido isso um sinal real de tempos mais favoráveis ao meio ambiente na indústria naval ou apenas uma cara peça de publicidade?
A MSC prometeu se tornar completamente neutra em termos de emissões até 2050. Essa meta coloca a empresa em linha com a Organização Marítima Internacional (OMI) e a Associação Internacional de Cruzeiros Marítimos (CLIA), que estabeleceram suas metas também para aquele ano.
Ainda não está claro, porém, como esse objetivo será de fato atingido. Em um relatório recente sobre sustentabilidade, a MSC descreve detalhadamente seus esforços para reduzir as emissões, mas não há qualquer menção às metas precisas para os próximos anos.
A TUI Cruzeiros já é mais específica. A empresa quer oferecer suas primeiras viagens climaticamente neutras em 2030 e reduzir as emissões totais em 27,5%, em comparação a 2019.
O novo navio Mein Schiff 7 deve ser iniciar suas operações em junho utilizando metanol verde produzido por energias renováveis. Apesar de o sistema de propulsão do navio ainda não ser climaticamente neutro, suas pegadas de carbono, no entanto, serão.
Adeus ao petróleo sem data prevista
A indústria como um todo ainda não possui uma estratégia para se tornar livre de emissões.
A TUI, por exemplo, não estabeleceu um prazo para a redução escalonada dos combustíveis fósseis pesados, tampouco estabeleceu uma data para a conversão de sua frota a formas de propulsão mais favoráveis ao meio ambiente.
Não se sabe, de fato, como a demanda da indústria pelos chamados e-combustíveis – combustíveis renováveis de origem não orgânica – deverá ser suprida.
"Atualmente, os e-combustíveis não são produzidos comercialmente e a maioria das usinas anunciadas até 2035 não tem financiamento assegurado", afirmou a ONG Ação Ambiental da Alemanha (DUH). "A quantidade produzida não poderia substituir nem 2% do consumo global de combustíveis fósseis da indústria marítima."
Segundo a ONG, o fato de a TUI propagandear cruzeiros com emissão zero sem fornecer detalhes sobre como eles de fato eliminarão essas emissões implicaria a empresa em "lavagem verde" e fraude ao consumidor. Recentemente a DUH moveu uma ação contra a TUI.
Empresas devem mostrar seriedade
Sönke Diesener, da União para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade (Nabu), também acredita que as empresas de cruzeiros marítimos podem fazer mais.
Ela diz que o fato de a indústria ainda depender dos combustíveis pesados de petróleo, por exemplo, ocorre simplesmente porque as empresas do setor não querem investir mais dinheiro. Há vários tipos de combustíveis alternativos no mercado que são menos prejudiciais ao meio ambiente do que o petróleo pesado.
"A indústria provoca uma imagem ruim de si mesma", diz Diesener, destacando que as empresas de cruzeiros ainda encomendam navios movidos a combustíveis pesados.
Ela avalia que a indústria precisa fornecer detalhes sobre como pretende atingir a neutralidade climática até 2050. Se a indústria fizesse uma declaração clara de que apenas combustíveis favoráveis ao meio ambiente serão utilizados no futuro próximo, isso enviaria um sinal para as empresas que fabricam combustíveis alternativos.
Algumas companhias navais traçam planos de cooperação com empresas de energia e, dessa forma, impulsionam o desenvolvimento de combustíveis alternativos.
A TUI, por exemplo, assinou recentemente um memorando de entendimento com a empresa Mabanaft em Hamburgo, que deverá no futuro fornecer e-metanol para seus navios.
Oleksandr Siromakha, diretor de combustíveis sustentáveis da Mabanaft, explica por que os avanços parecem ocorrer de maneira lenta.
"Ao encomendar um novo navio de cruzeiro projetado para ser movido a metanol, deve-se assegurar que o metanol esteja disponível em quantidade suficiente", observou. "Os produtores de metanol, por outro lado, pensam: 'como podemos tomar uma decisão de investir se esses navios sequer existem?'". Siromakha diz que os políticos devem criar as condições para facilitar essa transição.
Incertezas para o futuro
É possível que pressões recentes exercidas pela União Europeia (UE) possam ajudar a indústria naval a reduzir suas emissões de CO2.
No início de 2024, a UE incluiu o setor naval – todas as viagens intraeuropeias e 50% das extraeuropeias – em seu Sistema de Comércio de Emissões (ETS). Isso significa que as emissões de gases causadores do efeito estufa dos combustíveis usados na indústria não poderão exceder determinadas cotas. A UE também decidiu que a eletricidade onshore se tornará obrigatória nos portos europeus até 2030.
Enquanto isso, ainda não se sabe quando o próximo navio com emissão zero da MSC Cruzeiros deverá ser lançado ao mar. "Precisaremos de mais combustíveis renováveis disponíveis para toda a indústria naval antes de conseguirmos repetir esse feito", disse Michele Francioni, vice-presidente de otimização da divisão de cruzeiros do grupo MSC.
Até lá, o MSC Euribia continuará a navegar com gás natural liquefeito, e deverá continuar a fazê-lo no futuro próximo.