Pandemia em África: Mais adolescentes têm filhos
10 de setembro de 2021"Estou grávida de cinco meses de um jovem que trabalha no quartel", conta Elsa, de 16 anos de idade. "Ele é militar e ajuda-me a comprar comida e outras coisas para a escola, porque a minha família não tem condições que possibilitem que eu estude".
Elsa é apenas uma das muitas raparigas em África que engravidaram durante a pandemia da Covid-19, que agravou a pobreza e desigualdades em vários países. As raparigas têm sido particularmente afetadas por causa da gravidez preococe e indesejada.
Elsa vive na província de Inhambane, no sul de Moçambique, e frequenta o oitavo ano da "Escola Secundária de Massinga". A sua professora Hermenegilda Gafur confirma que o seu caso não é único: nesta escola, são muitas as jovens que estão à espera de bebé. "Chega a haver duas ou três estudantes grávidas numa só turma", conta.
Consequência dos encerramentos
Nos países africanos estão a aumentar os casos de gravidez na adolescência, como consequência dos encerramentos provocados pela pandemia da Covid-19. As agências de ajuda internacional veem motivos de preocupação e alertam para as consequências a longo prazo na vida destas jovens. Segundo a UNICEF, problemas na gravidez e no parto estão entre as principais causas de morte de mulheres com idades entre os 15 e os 19 anos.
Por causa da pandemia, muitos centros de acolhimento para adolescentes e jovens adultos em situações de emergência, assim como escolas, encontram-se fechados. Ou seja, explica a organização africana "Amref Health Africa” no Quénia, na falta destas estruturas de segurança, as jovens acabam por ficar desprotegidas contra o abuso sexual e sem ninguém para as educar sobre a saúde sexual e reprodutiva. Esta é uma tendência, diz a Amref, que se regista em todo o continente.
Casamentos à força
Também no Uganda, alertou, recentemente, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), a pobreza crescente é uma das razões para o aumento do número de casos de gravidez na adolescência. "Aqueles que são pobres tendem a casar, é como se fosse um negócio. Porque os pais recebem dinheiro da parte da família da noiva, ou às vezes gado", explica à DW, Edson Muhwezi, representante do UNFPA, que acrescenta que a Covid-19 veio piorar a situação.
Segundo o governo ugandês, antes da pandemia, uma em cada quatro raparigas engravidava na adolescência. Agora, nas aldeias, é quase uma em cada três.
Viola Ekikyo é uma delas. Engravidou, aos 17 anos, durante o período em que a escola se encontrava fechada por causa da pandemia. À DW conta que, quando descobriu, "ficou assustada e fugiu de casa”. Acabou por regressar e agora ajuda a sua mãe no seu pequeno restaurante. "Ela não teria ficado grávida se as escolas não tivessem sido fechadas", afirma a mãe.
Na África do Sul, a tendência é igual: o número de crianças nascidas de mães adolescentes na província mais populosa do país, Gauteng, aumentou 60% desde o início da pandemia. Uma das razões, afirma a organização "Save the Children” no seu último relatório é a falta de acesso das adolescentes a contracetivos ou à possibilidade de um aborto seguro.
No mesmo documento, a organização diz estar preocupada com o bem-estar das mães e das crianças.
Números do Departamento de Saúde de Gauteng mostraram que entre abril de 2020 e março de 2021, mais de 23.000 raparigas com menos de 18 anos deram à luz - 934 delas tinham menos de 14 anos.
Ciclo de pobreza infantil
Marumo Sekgobela, gestor de saúde e nutrição da organização "Save the Children” na África do Sul, salienta que a pandemia global pode vir a ameaçar os progressos que têm sido feitos pelas raparigas - especialmente no que toca à educação.
"Estas raparigas precisam de ajuda, por isso encorajamo-las a visitar as clínicas de cuidados de saúde das suas comunidades". Os rastreios, as consultas com os assistentes sociais e os espaços abertos com os pais são cruciais, diz Sekgobela, chamando a atenção para o facto da maioria das jovens que engravida precocemente poder vir a abandonar a escola. "Isto perpetua um ciclo de pobreza infantil que muitas raparigas jovens na África do Sul já estão a viver", diz.
Existem ainda os riscos associados à saúde, acrescenta. A gravidez precoce pode levar a complicações como tensão arterial elevada ou níveis elevados de açúcar no sangue. O parto também acarreta riscos para a mãe e para a criança.
Infeções elevadas por HIV/SIDA
A elevada taxa de gravidez na adolescência também atrasou a luta contra o HIV/SIDA na África do Sul, uma vez que, explica Marumo Sekgobela, as taxas de infeção entre as mulheres grávidas são bastante elevadas. Além disso, há outro fator negativo: a violência sexual.
Mas como pode ser evitada a gravidez na adolescência? "Precisamos de uma educação sexual abrangente que seja oferecida aos jovens em idades apropriadas dentro e fora da escola", defende Sekbobela. Não só os decisores políticos e organizações civis devem ter isto em conta, mas também os chefes tradicionais e os líderes religiosos.
Ainda que a maioria dos adolescentes esteja esclarecida sobre o tema da sexualidade, a verdade é que, alerta Sekbobela, "nas zonas rurais ou em assentamentos informais, o desenvolvimento não é o mesmo".