Covid-19: África na fila de espera de acesso às vacinas
3 de fevereiro de 2021Num estudo apresentado em dezembro, a rede de ONG The People's Vaccine Alliance, que congrega organizações de defesa dos direitos humanos como a Amnistia Internacional e a Oxfam, considera que cerca de 70 países em desenvolvimento só poderão vacinar uma em cada 10 pessoas este ano, com destaque para o continente africano.
Até agora, África encomendou previamente cerca de 900 milhões de doses. A consultora Economist Intelligence Unit (EIU) acredita que as vacinas não estarão disponíveis na maioria dos países africanos até abril de 2022, na melhor das hipóteses.
A Agência Africana de Controlo das Doenças (CDC) prevê que o continente precisará de pelo menos 1,5 mil milhões de doses para vacinar 60% da população.
A iniciativa COVAX espera entregar até ao fim deste ano, pelo menos 1,3 mil milhões de doses a 92 países de baixo rendimento, incluindo o continente africano.
"Não queremos ser sempre os últimos"
A situação está a causar muita frustração. "Precisamos de ser independentes como continente e como país quando se trata de vacinas e produtos farmacêuticos. É uma tolice confiar nas nações ocidentais para questões médicas. Não queremos ser sempre os últimos em que pensam", defende o ministro da Saúde do Quénia, Mutahi Kagwe.
Em entrevista à DW, a ex-ministra da Saúde do Ruanda, Agnes Binagwaho, lança um forte apelo ao ocidente: "Sejam honestos e digam: 'O meu povo primeiro'. Não nos mintam e digam que somos iguais."
Alguns países africanos estão, portanto, à procura de alternativas. As ilhas Seychelles já administram a vacina Sinopharm, de fabrico chinês, enquanto a Guiné optou pela vacina russa Sputnik V. O Quénia também está interessado na vacina chinesa. "Mas a questão é: quem tem a vacina para vender em primeiro lugar? A Europa comprou tudo", lembra o ministro Mutahi Kagwe.
Chegada das primeiras doses
A África do Sul recebeu um milhão de doses da AstraZeneca na Índia esta semana. O Ruanda encomendou um milhão às empresas farmacêuticas norte-americanas Pfizer e Moderna, devendo o primeiro carregamento chegar antes do final de fevereiro. E o Uganda espera as suas primeiras doses de Moderna, Pfizer e AstraZeneca em abril.
De acordo com a rede de ONG The People's Vaccine Alliance, da vacina produzida pela Pfizer, os países ricos já encomendaram 96% das cerca de 1,128 mil milhões doses que o consórcio se compromete a produzir, e apenas 4% está disponível para os mais pobres, isto é, 54 milhões.
Eric Olander, fundador da plataforma de informação "Projeto China-África", defende que o continente africano deve procurar alternativas às vacinas da Pfizer. "Estas vacinas não foram feitas para países em desenvolvimento, precisam de ser congeladas. Estas vacinas são em muitos aspectos inúteis para a maioria dos países em desenvolvimento, onde não existe a infraestrutura necessária para as armazenar", justifica.
China e Rússia atentas a África
A China e a Rússia estão atentas ao contexto africano. Os dois países garantem que as suas vacinas já estão disponíveis e podem ser armazenadas no frigorífico sem complicações.
Em maio do ano passado, o Presidente da China, Xi Jinping, prometeu que tornaria as vacinas chinesas contra a Covid-19 disponíveis para o hemisfério sul.
"A Europa e a América estão a concentrar-se neles próprios e a China interveio e investiu muito para entrar no mercado africano de vacinação. Embora a UE tenha dado muito dinheiro à Organização Mundial de Saúde (OMS) para assegurar a vacinação para os países africanos, a China já estava pronta para a distribuição", observa o académico Robert Kappel, da Universidade de Leipzig, na Alemanha.
Poderá, assim, aumentar a influência da China em África. Há anos que a China e os países ocidentais competem por mais influência política e económica em África. A China tem financiado muitos projetos em vários países africanos.
Os Estados ocidentais, por outro lado, acusam a República Popular da China de estar principalmente interessada nos recursos minerais do continente. Também tem havido um ressentimento crescente em alguns países africanos em relação à influência chinesa nos últimos anos. Algo que agora pode mudar. "Se a China conseguir administrar vacinas e salvar uma grande percentagem de africanos, acha que irão ver a China de forma negativa?", pergunta Agnes Binagwaho, ex-ministra da Saúde do Ruanda.
África lembrar-se-á da pandemia no futuro, em benefício da China, acredita Eric Olander. "Os europeus voltarão um dia a África e dirão: 'Somos um parceiro melhor do que os chineses'. E os africanos dirão: "Onde estavam quando precisámos de vós?"