Vistos para artistas da CPLP: Que entraves?
13 de maio de 2019Mayamona Garcia e Bob Bisweswe vieram a Lisboa montar peças originárias de Angola e do Congo para uma coletiva de arte e cultura dos países lusófonos que decorre até 25 de maio, na Fábrica do Braço de Prata. Mas, por dificuldades na obtenção de vistos, o conceituado artista plástico Jospin Lohanga, que eles representam, não viajou para Lisboa a tempo de participar na inauguração, na passada sexta-feira (10.05.).
"Houve atrasos em termos de vistos. Porque neste momento, como a Embaixada de Portugal alocou a obtenção dos vistos à Embaixada da Bélgica houve esse atraso. Esperamos nós que ele estará cá na parte final desta exposição", conta Mayamona Garcia.
O angolano é o gestor executivo do Centro de Pesquisa Arte Kimbango, com sede na República Democrática do Congo, que corrobora com as críticas segundo as quais a política de vistos da União Europeia, bem como dos Estados Unidos da América, está a bloquear a carreira de artistas africanos.
Argumenta que "havendo, muitas vezes, um timing para poder estar presente numa atividade, quando os serviços protocolares [das embaixadas] não nos atendem no tempo devido, isso faz com que, muitas vezes, o artista não possa participar numa determinada atividade".
Mayamona Garcia reconhece que esta questão de índole mais política que burocrática ultrapassa a vontade dos artistas.
"Não só dificuldades como impossibilidades em vir porque não obtinham a tempo vistos que permitissem trazer obras e trazer os artistas mesmo à exposição. Trabalhámos com o plano B também como consequência dessa política de atrofia dos canais de circulação dos artistas e das obras de arte. É verdade", confirma Nuno Nabais, curador das exposições da Fábrica do Braço de Prata.
Não fazem sentido os entraves
O assunto também toca a artista plástica portuguesa Mafalda D' Eça, casada com um angolano. Os quadros da pintora mostram as cores quentes e a natureza exuberante do continente, nomeadamente Angola, onde gostaria também de expor.
Mas lamenta as dificuldades que ainda existem na obtenção de vistos, afirmando que "essa mobilidade não é fácil e às vezes as entidades com que nós nos relacionamos aqui em Portugal não facilitam isso. É uma pena não haver esse intercâmbio com mais facilidade. Infelizmente, é visível. Uns colegas meus têm essa dificuldade e eu vejo que teríamos que resolver isso com bastante rapidez. Agora, para isso, teríamos que lutar todos em conjunto de forma a tentar resolver esse problema."
A artista plástica considera que deveria haver mais circulação entre os artistas e as respetivas obras, como uma das condições para reforçar o intercâmbio: "Os africanos também podem aprender connosco cá em Portugal e nós em África. E, portanto, acho que é um ponto fundamental e que deve ser rapidamente resolvido. Não tem cabimento nenhum na época em que vivemos haver esses problemas de estes entraves todos a quem cria cultura. Acho que se fosse ministra da Cultura facilitaria isso da melhor forma possível."
Nuno Nabais, fundador e coordenador geral da Fábrica do Braço de Prata, defende uma mais reflexão mais profunda sobre a política de vistos entre os países lusófonos, afirmando que "até porque esta exposição, nas suas falhas, reflete os inconvenientes dessa política".
Pede-se maior flexibilidade e mobilidade
Nabais diz que há várias galerias de arte e municipais de Lisboa "ansiosas por receber artistas de África", porque as suas obras "são impressionantes, revelam uma força e uma originalidade que já não é muito comum na arte feita na Europa".
"Ficam também os artistas africanos empobrecidos por não poderem trazer as suas obras e dar a conhecer ao público português", acrescenta o curador. Na sua opinião, também há outra dimensão, relativamente às dificuldades que os artistas de Portugal têm em fazer circular os seus trabalhos fora das fronteiras portuguesas.
João Pedro Marques, outro artista com obras nesta coletiva, pede mais diálogo e compreensão face aos obstáculos ainda existentes, que só afetam o sentido da partilha de conhecimentos e de cultura. "Devia haver uma maior flexibilidade e mobilidade. Havendo um maior intercâmbio o ganho cultural é maior", diz este jovem autodidata à DW África.
Na opinião do angolano Mayamona Garcia, "se os nossos governos, particularmente africanos, se unirem no sentido de dar [criar] uma normativa para que o artista seja valorizado isso iria valorizar a nossa cultura e, consequentemente, iria ligar mais os povos".