"Violações estão a diluir o peso da trégua em Moçambique"
18 de janeiro de 2017Numa avaliação do primeiro período da trégua, o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) disse, em declarações por telefone à agência Lusa a partir da Gorongosa, que não houve registo de violações por confrontos militares, mas denunciou novos casos de raptos e assassínios de membros do seu partido, o que tem fragilizado o compromisso.
"Quero apelar para que haja colaboração de facto", afirmou o líder da oposição, referindo que já abordou o assunto com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, para que "comece a aprender e a corresponder também com aquilo que a RENAMO e o Dhlakama estão a fazer".
Além de vários casos denunciados nos primeiros dias da trégua pelo seu partido, o líder da RENAMO disse que, na semana passada, quatro desmobilizados do braço armado da oposição, que se deslocavam desarmados dos distritos de Ile e Lugela para Morrotone, província da Zambézia, foram raptados após terem desembarcado de um autocarro próximo de uma base das Forças de Defesa e Segurança e estão desaparecidos desde então.
Segundo Dhlakama, ainda em Morrotone, próximo da mesma posição das Forças de Defesa e Segurança, desapareceram outros habitantes locais.
Na Gorongosa, prosseguiu Dhlakama, nas zonas de Lourenço, Nhataca e Mucodza, a leste da vila-sede, na província de Sofala, algumas famílias e simpatizantes da RENAMO estão desaparecidos, depois de terem sido intercetados quando se deslocavam para fazer compras de alimentos.
Já em Nhacafula, distrito de Tambara, província Manica, disse Dhlakama que um professor foi morto por militares das Forças Armadas, supostamente por ter ligações com a RENAMO, e o corpo também está desaparecido.
"Isso está a diluir o peso da trégua", afirmou Afonso Dhlakama, avisando que o cessar-fogo "não foi feito apenas para facilitar que os membros da FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique, partido no poder] andem livremente, ou as 'fademos' [referência a membros das Forças Armadas de Defesa de Moçambique] saiam de Maputo para Gorongosa e Nampula de carro, isso é para toda gente andar".
Mal-estar no seio da população e na ala militar da RENAMO
De acordo com Dhlakama, as alegadas violações à trégua têm ainda provocado mal-estar no seio da população e na ala militar do seu partido.
"Parece que o Dhlakama deu a liberdade de a FRELIMO fazer e desfazer as populações. Membros, simpatizantes, comandos militares da RENAMO, já não se estão a sentir bem, estão a criticar-me", referiu o líder do partido de oposição.
A trégua, destacou, permitiu que a governadora de Sofala, Helena Taipo, passasse a 300 metros do local onde vive, para fazer distribuição de alimentos a deslocados de guerra e de seca na Gorongosa.
Permitiu igualmente que um secretário da Frelimo na Zambézia e o comandante provincial da Polícia executassem trabalhos em Morrotone, nas zonas sob controlo da RENAMO.Também em Manica, assinalou ainda Dhlakama, o governador local, Alberto Mondlane, deslocou-se a Tambara, onde há recentes relatos de raptos e sequestros de membros da RENAMO, e trabalhou e pernoitou naquele local."Até visitaram posições das 'fademos' e os meus [combatente da RENAMO] a ver tudo e a dizer que é provocação e eu disse que é paz, e ordenei para que ninguém disparasse, porque ia prender quem disparasse", relatou o líder da RENAMO, insistindo na colaboração do executivo na manutenção da trégua.
Dhlakama dirigiu-se também aos "radicais da FRELIMO", apelando para que "deem liberdade ao Presidente [Filipe] Nyusi, no esforço que ele está a tentar fazer para a paz" e na tentativa de criação de confiança.
O centro e norte de Moçambique estão a ser assolados há mais de um ano pela violência militar, na sequência da recusa da RENAMO em aceitar os resultados das eleições gerais de 2014, exigindo governar em seis províncias onde reivindica vitória no escrutínio.
Dhlakama espera regressar a Maputo e à política ativa após trégua em Moçambique
Líder da RENAMO espera que as negociações de paz em Moçambique sejam retomadas em breve, com a chegada esta semana dos mediadores, e regressar à vida política ativa após os 60 dias de trégua por ele declarados. "Se tudo correr bem e concluirmos aquilo que estamos a tratar na mesa das negociações, acredito que em março ou abril poderei estar em Maputo, a andar livremente, a retomar as atividades políticas", afirmou, em declarações à agência Lusa, Afonso Dhlakama, que anunciou, a 03 de janeiro, uma trégua de 60 dias, após uma conversa telefónica com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.
O presidente da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), retirado na serra da Gorongosa desde finais de 2015 alegando questões de segurança, referiu que as eleições autárquicas de 2018 "estão à porta e precisam ser preparadas a tempo", sinalizando a intenção de o maior partido de oposição participar numas eleições que boicotou em 2013.
"Esperemos que os mediadores cheguem rapidamente para retomarmos, com os pontos que estão na agenda, e concluirmos o acordo [de paz]. Há coisas que podem ser concluídas até março, mas outras questões podem arrastar-se", afirmou.
Equipas de mediação divididas em dois grupos
O líder do principal partido da oposição disse que as equipas de mediação serão repartidas em dois grupos, um dos quais para acompanhar o processo de descentralização junto da comissão técnica indicada pelas duas partes, e o outro para seguir os restantes pontos de agenda."Sei que não é fácil, mas com essa paz de 60 dias, até março, se tudo correr bem, podemos assinar o acordo definitivo e motivar as pessoas", declarou Afonso Dhlakama, apelando para um esforço das partes, porque "o mais importante é a paz".
Dhlakama na Gorongosa desde 2015
O presidente da RENAMO lembrou que está na Gorongosa desde o final de 2015, após ter sofrido duas emboscadas em setembro daquele ano na província de Manica, e uma invasão da sua residência, na cidade da Beira, pelas Forças de Defesa e Segurança, em outubro. "Não esperava o vandalismo que o Governo me fez, mas já me esqueci disso, não guardo rancor", disse Dhlakama, que não deseja repetir a experiência de assinar um acordo no decurso de uma campanha eleitoral, como sucedeu a 05 de setembro de 2014, quando celebrou o Acordo de Cessação de Hostilidades Militares com o então Presidente Armando Guebuza, já em pleno processo das eleições gerais.
"Gostaríamos que tivéssemos tempo de nos prepararmos para as autárquicas", disse ainda.
Moçambique vive uma crise política e militar provocada pela recusa da RENAMO em aceitar os resultados das eleições gerais de 2014, alegando fraude.