Vidas por trás de números: Bala perdida matou professor
13 de dezembro de 2024Carlos Langa era uma espécie de ex-libris vivo da cidade de Nampula. Muitas referências da província passaram pelas mãos do professor, não há como não conhecê-lo.
Arnaut Naharipo, hoje igualmente docente, foi seu aluno e conta que "o professor Langa era uma pessoa amigável. Acima de tudo, um professor íntegro, com dignidade, formador de muitos quadros a nível nacional. Hoje são deputados, outros diretores provinciais e até distritais."
Hoje é assim recordado. As suas rotinas eram também bem conhecidas, e foi durante uma delas que inexplicavelmente a polícia acabou com a vida dele, a 3 de dezembro, vítima de mais uma bala indiscriminada.
A polícia tentava silenciar uma nova etapa de protestos em prol da verdade eleitoral e contra a má governação, relata Gamito dos Santos, ex-colega e defensor dos direitos humanos: "Neste dia não foi diferente, saiu para o Café Atlântico, estava a tomar o seu café".
"Quandos as manifestações iniciaram, ele estava ali sentado, mas como a polícia tem hábito de fazer disparos de forma aleatória, acabaram disparando para aquele local, que não estava envolvido em ato de vandalização. O professor Langa foi atingido no abdómen e foi evacuado para o Hospital Central de Nampula", diz.
Dignidade, a sua bandeira
Aquando da sua morte, Carlos Langa lecionava Física e Química na Escola Secundária 12 de Outubro.
Arnaut Naharipo, também responsável provincial da Associação Nacional dos Professores (ANAPRO) em Nampula, destaca uma das maiores qualidades de Langa, enquanto docente: "Ele ensinava aos seus educandos o saber fazer, olhando muito para a dignidade. A dignidade e a qualidade das coisas que ele fazia e difundia."
Politicamente, o professor também deu o litro pelo ensino como vereador da área de educação do município de Nampula, no consulado de Mahamudo Amurane, embora fosse conhecido pela sua discrição.
Mas quis o destino que o seu fim fosse causado por um "estrondoso barulho".
"Ele não se metia muito em barulhos", afirma Gamito dos Santos. "Foi encontrado a exercer as sua funções com Amurane e este, percebendo que ele estava ao serviço do município e não do partido, pelo seu profissionalismo, acabou confiando novamente [nele], porque ele nunca se identificou com nenhuma cor partidária. A sua luta era pela nação."
Uma polícia criminosa
Tal como como acontece com a maioria das vítimas da crueldade da polícia nestas convulsões, a instituição, no que se refere a responsabilização, escuda-se no silêncio. Mas inicialmente apresentou uma desculpa que, ao que tudo indica, roçava a mentira, relata o ativista Gamito dos Santos: "A polícia sempre alegou que a bala não tinha atingido os órgãos vitais, havia atingido de forma superficial, de raspão..."
A sociedade civil moçambicana não tem poupado esforços para denunciar as arbitrariedades da polícia. O uso de balas reais contra civis desarmados é visto como ilegal e, por isso, a ativista social Fátima Mimbire exige responsabilização.
"Tem de haver um processo cível para a indemnização e um processo criminal por causa deste abuso de poder, o abuso no uso da força, no uso de balas reais, quando no máximo se devia usar jatos de água. Aqui estamos a usar balas de verdade e inclusive armas de guerra", denuncia.