UNICEF vai investigar alegados abusos sexuais na RDC
1 de outubro de 2020O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) anunciou esta quarta-feira (30.09) uma investigação aos alegados abusos sexuais contra mulheres na República Democrática do Congo (RDC) no contexto da resposta à epidemia de ébola.
O mesmo anúncio foi feito também na quarta-feira pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e, na terça-feira (29.09), pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Os anúncios surgem depois da publicação, na terça-feira, de uma investigação feita pela agência noticiosa humanitária The New Humanitarian (TNH) e pela Fundação Thomson Reuters.
A investigação, que durou meses, encontrou mais de 50 mulheres que acusam funcionários da OMS e de organizações não-governamentais (ONG) envolvidas na luta contra o ébola de exploração sexual entre 2018 e 2020, inlcuindo a Oxfam e Médicos Sem Fronteiras (MSF).
O secretário-geral da ONU, António Guterres, que foi informado das acusações, pediu que elas sejam "investigadas por completo".
Vítimas dos abusos
As mulheres vítimas, que trabalham como cozinheiras, faxineiras e agentes comunitários, disseram que foram drogadas, emboscadas em escritórios e hospitais e trancadas em quartos por homens que se identificaram como trabalhadores humanitários. Mais de 15.000 pessoas estavam baseadas em Beni e cidades vizinhas durante a operação de combate ao ébola entre 2018 e 2020.
Segundo as vítimas, os abusos ocorreram em março. E disseram que não ter relatado os abusos na época por medo de perder os seus empregos ou outras represálias, ou por vergonha.
Kahambu, uma das vítimas, disse à DW África: "Com a luta contra o ébola, não foi fácil conseguir um emprego. Era tudo sexo. O que fizemos como teste de avaliação foi apenas de fachada. As pessoas foram levadas antes mesmo de terem feito o teste. Os patrões ofereceram-nos para dormir com eles. Se recusasses, não eras contratado para o trabalho".
Algumas das mulheres até engravidaram. Mas há mais consequência dos abusos, como relatou Kuhambu à DW: "Há também alguns que foram infetados com doenças sexualmente transmissíveis, como SIDA, porque a maioria das ajudantes estava doente. É o caso de uma mãe que trabalhava conosco. Um de nossos chefes, recentemente foi diagnosticado seropositivo".
Em entrevista à DW, outra vítima chamada Kavugho contou: "Tive dificuldades quando quis entregar a minha carta antes do teste de admissão. Mas o patrão tinha-me marcado uma consulta no hotel, pediu-me para vir e deixar a minha carta no hotel à noite, por volta das 20h, ao invés de pedir-me para ir ao seu escritório".
Therese Mema Mapenzi, diretora do Center Olame Bukavu (COB), uma organização católica de mulheres, condenou o alegado assédio sexual. "Impede que as mulheres trabalhem livremente e se envolvam em organizações e atividades profissionais", disse ela.
"Tolerância zero"
"Temos tolerância zero para a exploração e abuso sexual, levamos todas as acusações muito a sério e haverá consequências graves para qualquer membro do pessoal que possa ter abusado sexualmente de pessoas", promete a UNICEF.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância pede às vítimas para se apresentarem e garante ter há dois anos um sistema seguro, para que mulheres e crianças possam denunciar tais atos em segurança, mas também formação obrigatória para aumentar a sensibilização para a questão.
"É evidente que isto não é suficiente e precisamos de fazer mais, especialmente a nível comunitário", reconhece a organização, que não revela pormenores sobre o número de funcionários acusados de perpetrar estes abusos.
A República Democrática do Congo está a combater uma nova epidemia de Ébola, a décima primeira a atingir o país, que já provocou 50 mortes desde junho. A anterior tinha causado 2.287 mortes em 3.470 casos entre agosto de 2018 e junho último. Para combater a epidemia foram investidos mil milhões de dólares (853 milhões de euros).