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Um passeio africano pela cidade mais negra do Brasil

Fernandes, Carla Marisa26 de janeiro de 2013

Salvador da Bahia é a cidade mais negra do Brasil, país em que vive a maior comunidade de afro-descendentes do mundo fora de África. Tradições africanas são conservadas e recriadas nesta cidade do nordeste do Brasil.

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Salvador é a capital do estado da Bahia no Brasil. Descoberta em 1501 a 1 de novembro, a cidade recebeu o nome de Bahia de todos os Santos, e nessa altura foi um dos portos mais movimentados do continente Americano. Em 1549, foi ali fundada a primeira capital do Brasil, na altura colónia portuguesa.

Também foram os portugueses que trouxeram a escravatura e os escravos africanos à Bahia. No nordeste do Brasil eles foram forçados a trabalhar nas plantações de açúcar. Ainda hoje, o Brasil tem a maior população negra fora de África.

Segundo indicadores do censo de 2010 do mapa da população negra e parda no Brasil, Salvador da Bahia tinha 743 mil habitantes negros. São Paulo e o Rio de Janeiro, seguiam a capital baiana como segunda e terceira cidades mais negras do país, com 736 mil e 727 mil habitantes afro-descendentes.

A cultura baiana, em Salvador, reflete estes números de tal forma que a cidade é também chamada de "Roma Negra" ou "Meca da Negritude".

Herança à vista

Andando pelas ruas dos bairros históricos de Salvador da Bahia, em quase todos os cantos se sente a presença de África. Não há dia em que não se ouça o som do berimbau e do tambor na rua, a acompanhar homens e mulheres, jovens e menos jovens a jogar capoeira nas ruas.

Mas jogar capoeira não é simplesmente dançar ou praticar uma arte marcial para os turistas verem. Jogar capoeira na Bahia é, para os seus praticantes, preservar a herança dos antepassados africanos que viram nessa forma de expressão uma estratégia para comunicarem entre si e se protegerem física e espiritualmente.

Baiana do Acarajé

Outra das formas de preservar a herança africana é a gastronomia. As baianas do acarajé, com os seus trajes brancos e sorriso aberto conquistam a simpatia dos passantes que também não resistem às iguarias que elas vendem nos seus tabuleiros, como são chamadas as suas bancas. O abará e o acarajé são as principais especialidades vendidas pelas baianas. Na língua africana ioruba, falada por povos da África Ocidental, "akará", quer dizer "bola de fogo" e "jé", significa comer. "Acarajé" significa, portanto, comer uma bola de fogo.

O ofício da baiana é tão marcante na cultura da Bahia que foi declarado, em 2004, Património Histórico Nacional e desde 26 de Outubro de 2012 Património Cultural Imaterial da Bahia.


Candomblé - herança religiosa africana

Mas o acarajé da baiana é também considerado um alimento sagrado. É uma oferenda que se faz aos orixás, as divindades do Candomblé. O Candomblé é uma religião de raízes africanas que não se encontra em África na mesma forma que no Brasil. Os historiadores dizem que o especial do candomblé é que reúne divindades, ou orixás, de diversas regiões africanas num único culto.

Por isso, o Candomblé no Brasil tem divindades de vários cultos: principalmente dos povos da etnia ioruba, que se encontram no Benin, Togo, Camarões, e Nigéria, e dos povos da etnia bantu, da região de Angola e Congo. As diferentes regiões e os rituais das cerimónias no candomblé originaram também subdivisões dentro do Candomblé. Estas divisões se chamam "nações", como Ketu/Ioruba, Bantu/Angola e Jeje/Fon.

Candomblé e resistência cultural

Há 19 anos que o músico brasileiro Mateus Aleluia vive em Angola. Explica que para o afro-descendente no Brasil, o candomblé "é uma forma de a gente ter a África da forma como ela era há 500 anos atrás."

Mateus é um dos músicos que na década de 1970 insistiu em dar protagonismo aos ritmos africanos na sua música. O seu grupo Tincoãs ficou conhecido por isso. Mas foi em Angola nos anos 80, quando foi a Luanda para fazer alguns espetáculos que veio a conhecer uma África mais contemporânea.

E através do contacto pessoal com África, Mateus Aleluia fez uma análise mais profunda das estratégias que o africano na diáspora utiliza para se preservar culturalmente. "Para vocês que são africanos não há necessidade disso porque vocês caminharam com África. Nós fomos afastados. Se a gente caminhar, temos que caminhar com a África que os nossos antepassados deixaram porque se não nós deixamos de ser África."

Segundo o músico, o candomblé conservou no Brasil uma série de tradições africanas da culinária à língua: "Foi o candomblé que manteve toda uma linguagem misturada da África de vários pontos. Foi candomblé que manteve toda uma ervanária vinda de África. Então, mesmo o afro-descendente que do ponto ritualismo não é do candomblé, é candomblé do ponto cultural", declara o músico.


Casas africanas na Bahia

Assim como existem três nações no Candomblé, a Bahia também tem três casas africanas - a Casa de Angola, a da Nigéria e a do Benin. As casas são centros culturais independentes da religião do candomblé, mas oferecem informações sobre esses países, através de exposições permanentes, bibliotecas, palestras ou visitas guiadas, que tanto enriquecem os conhecimentos dos seus praticantes como da população em geral.

Casa do Benin

A primeira casa africana, fundada no centro histórico de Salvador, o Pelourinho, foi a casa do Benin. Localizada ao lado de uma igreja azul, construída por escravos - a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, um ícone da africanidade baiana.

O projeto da Casa do Benin: foi iniciado pelo etnólogo e fotógrafo francês Pierre Verger nos anos 80. "A grande maioria dos baianos, não entende à primeira vista porque a casa do Benin. Para ser sincero, a maioria dos baianos não sabem nem o que é o Benin", conta Daniel Melo, o turismólogo que guia as visitas na Casa do Benin. "Alguns chegam aqui perguntam quem é o Benin, achando que é uma pessoa. E ai depois que eles têm contacto com a casa é que entendem a relação histórica que há entre o Benin e a cidade de Salvador."

Segundo Daniel Melo, a importância do Benin na formação da cultura de Salvador da Bahia até supera a influência de Portugal: "Seja na cor seja no vocabulário nos trejeitos, na religião ou na alimentação."

Casa de Angola

A criação da Casa de Angola causou menos estranheza à população baiana, talvez pela língua portuguesa que Angola e o Brasil têm em comum. Mas há mais semelhanças, como lembra Camilo Afonso, o primeiro adido cultural adjunto angolano da instituição, criada em 2008: "Os instrumentos musicais, como o berimbau, e a dikanza, que é o reco-reco. Aqui a capoeira, é capoeira de Angola. Eles aqui recriaram-na mas no cancioneiro deles você encontra Angola, a palavra ginga e por aí fora."

Os pratos típicos de Salvador como a moqueca, um caldo de peixe, e o caruru, ligam os dois países pelo estomago e pela semelhança do vocabulário, diz Camilo Afonso: "Você vai encontrar aqui moqueca de peixe e caruru, que para nós lá em Angola, é calulu. Aqui é um caruru feito duma outra forma. Mas no fundo também existe em Angola ou na África Central."

Casa da Nigéria

Muajeed Oybamiji Oyewo, diretor da Casa da Nigéria, conta o que alguns visitantes procuram aprender porque se ensina ioruba na Casa da Nigéria: "A língua da liturgia do candomblé é o ioruba. Então eles estão sempre ansiosos por aprender. Sempre que se deparam com uma palavra que não entendem, eles vêm aqui para procurar o significado."

A Bahia de Todos os Santos deve as suas sonoridades, cores e sabores às culturas africanas. África chegou ao Brasil no século XVI pela escravatura, mas ficou e criou uma nova africanidade no nordeste do Brasil.

Autora: Carla Fernandes
Edição: Johannes Beck