Turquia: Um parceiro de olhos postos em África e vice-versa
23 de maio de 2023A Turquia está a desempenhar um papel importante na competição entre nações economicamente fortes pela influência no continente africano. O país do Bósforo apresenta-se como um parceiro alternativo às antigas potências coloniais da Europa - com sucesso.
Vários países africanos estão de olhos postos na segunda volta das eleições presidenciais turcas. O atual Presidente Recep Tayyip Erdogan e os seus investimentos são recebidos de braços abertos em muitos países africanos.
Entretanto, a pretensão de Erdogan ao poder está a ser posta à prova: depois de ter falhado por pouco a maioria absoluta nas eleições presidenciais de 14 de Maio, terá de enfrentar o seu adversário Kemal Kilicdaroglu na segunda volta das eleições, no domingo (28.05). É provável que a votação seja também acompanhada de perto em muitos países africanos.
Grande aumento do comércio
"Penso que os africanos se preocupam com quem lidera a Turquia porque tivemos uma era dourada desde 2003, que continua até hoje", diz o nigeriano Ovigwe Eguegu, analista do grupo de reflexão internacional Development Reimagined, referindo-se às crescentes balanças comerciais da Turquia com o continente.
O analista estima que o volume de comércio atual é de quase 45 mil milhões de dólares - há 20 anos era de apenas 5,4 mil milhões de dólares, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco. "Trata-se de um enorme aumento do comércio com o continente", afirma Eguegu na entrevista à DW.
Em termos de economia no seu todo, o comércio representa 9,4% das exportações da Turquia. "Trata-se de um aumento de 4,4 por cento em 20 anos, pelo que, para ambas as partes, é uma relação muito importante", afirma Eguegu. Mas é também uma relação muito complexa que envolve vários países, salienta.
Por exemplo, de acordo com Eguegu, há muitas exportações de mobiliário da Turquia para a Nigéria porque os produtos dos fabricantes de mobiliário turcos não são competitivos na Europa. A Turquia também se tornou um parceiro comercial atrativo na África Ocidental francófona, diz ele, porque os países estão a afrouxar os seus laços com a antiga potência colonial, a França.
A estratégia da Turquia para África tem uma base ampla
A estratégia da Turquia para África abrange vários domínios. Vai desde o apoio à educação e às instituições sociais e a projetos de comunicação social, até à ajuda humanitária, por exemplo, nas zonas afetadas pela fome na Somália, e a projetos de infraestruturas.
As empresas de construção turcas estão a fazer bons negócios em África com a construção de estradas, pontes, linhas ferroviárias, portos, aeroportos e mesquitas. O continente está também a tornar-se cada vez mais importante para o país do Bósforo como fornecedor de energia e matérias-primas. Um dos parceiros preferenciais é a Argélia, um dos mais importantes fornecedores de matérias-primas da Turquia: em Novembro de 2022, os dois países anunciaram planos para uma empresa comum de produção de petróleo e gás.
Sob o comando de Erdogan, a estratégia da Turquia para África tem vindo a assumir uma dimensão militar mais forte nos últimos anos: Na capital da Somália, Mogadíscio, Ancara mantém não só uma importante missão estrangeira, mas também a maior base militar fora do seu país, o "Camp Turksom", com quatro quilómetros quadrados. Segundo os especialistas, a Somália é, assim, o parceiro estratégico mais importante da Turquia no continente africano - sobretudo devido à sua localização no Corno de África.
Número recorde: visitas de Erdogan a África
Para o período económico de 2022/2023, o Ministério do Comércio turco classificou o Egipto, a Etiópia, a Libéria, a Nigéria e a África do Sul como "países-alvo". As relações com estes países devem ser promovidas, informa a Agência Turca de Cooperação e Coordenação (TRT).
Em última análise, a Turquia está a tentar diversificar as suas relações internacionais e abrir novos mercados, diz Alex Vines em entrevista à DW. "E esse é também um dos principais eixos da política desenvolvida nos últimos 20 anos", afirma o responsável pelo programa para África do grupo de reflexão londrino Chatham House.
Quase nenhum estadista se deslocou a África com tanta frequência: Erdogan visitou 31 países africanos para solidificar as suas políticas. Atualmente, há mesmo 44 países africanos com missões diplomáticas em Ancara.
Para além disso, a Turquia é um dos países mais caridosos do mundo. E apesar de estar sob uma pressão considerável, incluindo após o terramoto no seu próprio país, existe uma tradição de generosidade em resposta às crises humanitárias e à fome no Corno de África, sublinha Vines.
Turquia: reativar a economia
No período que antecedeu as eleições, a atenção centrou-se muito nas questões internas, diz Vines. "Mas se Erdogan vencer a segunda volta, veremos a continuidade da política africana da Turquia, as políticas que foram realmente focadas e reforçadas pelo Presidente Erdogan", afirma Vines na entrevista à DW.
De acordo com o analista Eguegu, o fator decisivo reside na familiaridade com Erdogan, nos benefícios tangíveis que os países africanos experimentaram durante o seu mandato.
O analista político turco Nebahat Tanriverdi descreve o sentimento da seguinte forma: "A maior preocupação em África relativamente às eleições na Turquia está relacionada com o cenário de que um governo turco pós-Erdogan não colocará África no topo da sua agenda de política externa".
"Mas num mundo altamente multipolar, a Turquia não voltará à sua tradicional abordagem cautelosa e virada para dentro da sua política externa", salienta.
Em vez disso, a oposição parece estar interessada numa nova abordagem de política externa com um novo papel e identidade que determinará os princípios da política externa do país em África, bem como noutras regiões onde a Turquia está envolvida, diz Tanriverdi.
Apesar de todas as incertezas, o analista tem uma certeza: "Seja quem for que governe o país, a questão mais importante será o relançamento da economia. Por isso, qualquer governo em Ancara estará interessado em continuar o compromisso económico da Turquia com o continente".
"A dinâmica africana manter-se-á"
As exportações turcas para África, bem como o investimento direto estrangeiro em vários países africanos, não devem substituir os parceiros económicos tradicionais, a Europa e os EUA, disse Tanriverdi. Mas África parece contrabalançar os outros mercados regionais da Turquia, afirmou.
Após a Primavera Árabe, por exemplo, quando a Turquia teve problemas com os países árabes vizinhos, o mercado africano tornou-se o novo destino dos empresários turcos. Do mesmo modo, a guerra na Ucrânia despertou o interesse económico em África, afirma Tanriverdi: "A crescente influência turca em África é inegável".
A África também está a tornar-se cada vez mais importante para as pequenas e médias empresas turcas, bem como para regiões industriais como Gaziantep e Mersin, diz o analista, sublinhando: "Independentemente de uma mudança de governo em Ancara, a dinâmica africana nas relações externas permanecerá".