Tete: Para onde vão os lucros da venda das minas da Vale?
28 de abril de 2022O Centro de Integridade Pública (CIP) está preocupado com eventuais desvios na aplicação do dinheiro das mais-valias que o Governo vai receber da venda das minas de carvão da mineira brasileira Vale à Vulcan, como já aconteceu no passado – por exemplo, com a venda de ativos da Anadarko à Total.
Por isso, espera que o Executivo explique como vai ser aplicado esse dinheiro, adianta em entrevista à DW Rui Mate, investigador da organização não-governamental.
A venda das minas da Vale em Tete, a linha férrea e a estrutura portuária em Nacala, por 257 milhões de euros, foi concluída esta semana. A empresa brasileira deixa o país após 15 anos e sem indemnizar as comunidades afetadas pela exploração de carvão.
DW África: O Governo de Moçambique vai receber mais-valias da venda das minas de carvão da Vale. É necessária uma explicação ao país por parte das autoridades sobre esta transação, a bem da transparência?
Rui Mate (RM): Sim, é necessário. Primeiro, porque os recursos extrativos são esgotáveis. Então, há uma necessidade de os benefícios que provêm desses recursos serem transparentes, para que as gerações atuais e as futuras sejam beneficiadas. Segundo, pelo facto de, em 2019, o Governo ter recebido mais-valias provenientes da venda da Anadarko, que atualmente é a TotalEnergies. E não houve muita transparência no uso desse valor.
Nesta transação atual, em que a Vale procedeu à venda dos seus ativos à Vulcan, o Governo também não está a ser muito transparente. Até este momento, não foi dito quanto o Governo espera receber em mais-valias. Esse é o primeiro aspeto da falta de transparência, o segundo é como esse valor vai ser aplicado. No passado, o que aconteceu foi o financiamento de eleições, o pagamento a dívida de empresas, mesmo sabendo que, dentro do Orçamento do Estado, já estava previsto o pagamento dessas empresas.
DW África: Portanto, o CIP acha que é preciso conhecer o plano de uso deste valor antes de entrar nos cofres do Estado moçambicano?
RM: Exatamente, porque, com este plano de uso, é um bocadinho mais fácil os moçambicanos fazerem a monitoria daquilo que o plano e orçamento determinam que o Governo deve aplicar, para evitar desvios de aplicação desses fundos. Com um plano apresentado publicamente, pode-se fazer essa monitoria.
DW África: Recentemente, várias organizações da sociedade civil tentaram, sem sucesso, travar a venda destas ações da Vale em Tete, porque queriam que a empresa resolvesse os conflitos e pagasse o que deve às comunidades locais. Mas o Governo ignorou os apelos da sociedade civil. O que acha o CIP sobre esta atitude?
RM: É uma atitude estranha por parte do Governo, uma vez que deveria ser o próprio Governo a pautar pela transparência e para que a empresa Vale cumpra com as suas obrigações. O que está a acontecer é que a Vale vai deixar de funcionar, vai passar as suas concessões à Vulcan. E a Vulcan faz parte de um grupo de uma empresa que já opera em Moçambique, a Jindal, que tem um histórico de conflitos com a população no processo de reassentamentos e no processo de benefícios que a população deve ter.
Então, neste caso, esta transação da Vale e da Vulcan constitui uma preocupação, porque a Vale tinha compromissos e obrigações para com a população. Mas sai sem nenhuma indicação de como essas obrigações vão ser [cumpridas], de como ma Vulcan vai incorporar isto dentro do seu plano.
O Governo moçambicano [não está a desempenhar] aqui o seu papel. Espero que este comportamento mude e se acate os apelos não só das organizações da sociedade civil, como também da própria população, porque o Governo está lá para defender os interesses da população.
DW África: Portanto, são incalculáveis os danos patrimoniais e também psicológicos que a Vale deixa em Moçambique, após 15 anos de exploração. Acha que é uma prova da chamada maldição dos recursos naturais em Moçambique?
RM: É um dos sintomas da maldição dos recursos. Nesses 15 anos, esperava-se mudanças significativas para esta população, de forma direta e para os moçambicanos no geral. Mas não houve essas transformações. Alguns populares ficaram até mais pobres ou numa situação pior do que estavam. É mesmo um dos sintomas da maldição dos recursos.