Moçambique: Tensão tem impacto “avassalador”
19 de maio de 2014O recenseamento de Afonso Dhlakama, líder da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), foi seguramente uma conquista para o maior partido da oposição. Dhlakama não se recenseou até 8 de maio, porque as brigadas de recenseamento não se conseguiam deslocar às áreas de confrontos entre tropas governamentais e homens armados da RENAMO, no centro do país.
Dhlakama recenseou-se um dia antes do prazo terminar. E já depois das autoridades alargarem o prazo do recenseamento eleitoral. Segundo o líder partidário, foi preciso negociar com o Governo moçambicano para que se pudesse recensear.
“O Governo da FRELIMO ou de Moçambique não estava interessado no meu recenseamento. Foi preciso que voluntariamente mandássemos cessar-fogo aqui na Gorongosa e na região de Muxúnguè como se fosse uma troca, para que as brigadas de recenseamento pudessem entrar”, afirmou o líder dao maior partido da oposição.
Antes de se recensear, Dhlakama ameaçou impedir a realização das eleições de 15 de outubro se a RENAMO não participasse no escrutínio.
O recenseamento de Afonso Dhlakama foi portanto visto como uma boa notícia, não só para o partido como também para muitos moçambicanos: “uma vez que o líder da RENAMO foi recenseado, a RENAMO já fez a sua inscrição para o processo eleitoral, (…) há uma esperança de que isto afinal poderá não desembocar num conflito generalizado como todos nós temíamos”, comentou o analista político Silvério Ronguane.
Diálogo aos tropeções
Mas o impasse entre Governo e RENAMO continua. Depois de avançar um pouco, com a aprovação de modificações na lei eleitoral exigidas pelo maior partido da oposição, o diálogo voltou a tropeçar.
“Depois do consenso alcançado quanto ao pacote eleitoral, esperava-se que houvesse um avançar profundo quanto às outras questões que igualmente preocupam os moçambicanos, nomeadamente o desarmamento da RENAMO”, disse o sociólogo Moisés Mabunda. Porém, esse avanço não chegou e muitos moçambicanos estão indignados, acrescenta.
Desta vez, na origem do impasse está a exigência da RENAMO em termos de paridade nas forças de Defesa e Segurança antes de desarmar os seus homens, algo que o Governo recusa.
Dificuldades de abastecimento
O impasse no diálogo entre o Governo e a RENAMO tem afectado bastante Moçambique. Por exemplo, no sector do turismo: “ não tivemos, nos últimos nove meses, aquela avalanche que temos tido de estrangeiros que vêm divertir-se nas nossas praias”, lamentou o sociólogo Moisés Mabunda.
Mas nem é preciso ir às praias para ver os efeitos da crise político-militar que dura há um ano. O impacto no dia-a-dia dos moçambicanos é “avassalador”, afirma o analista Silvério Ronguane.
O analista refere-se, por exemplo, a “pequenas coisas – existem distritos, localidades inteiras, cujo abastecimento depende de um camião, por exemplo. Mas como o camião não pode passar em Muxénguè ou tem que ficar retido, então aquela zona pode não ter um abastecimento”.
De uma maneira geral, verifica-se “um impacto bastante alargado que se estende desde o cidadão comum (…) até mesmo com situações de fora do país, que também têm interesse” em Moçambique, resumiu Henriques Viola, analista político do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais.
Viola defende que a sociedade civil deve atuar mais, fazendo mais pressão junto dos dirigentes políticos para resolver a atual crise político-militar. Até porque em causa está também o Estado de Direito, diz o analista.
Mas o trabalho da sociedade civil não é fácil, desde logo por causa da instabilidade, pois “no momento em que a sociedade acha que a situação está suficientemente apaziguada, no momento em que a sociedade acha que a lei é esta e é esta a lei que devemos cumprir, as coisas mudam no dia seguinte”, disse o analista político Henriques Viola.
“Enquanto a sociedade civil não souber que a lei continuará sendo a mesma, evidentemente que não terá condições de poder actuar como deve ser, mais ainda sendo uma sociedade civil que ainda precisa de se desenvolver bastante, sob o ponto de vista dos recursos”, conclui Viola, do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais.