Suspeitas de corrupção na atribuição de vistos “gold” em Portugal
30 de junho de 2014A imprensa portuguesa refere que estão em causa suspeitas de recebimento de luvas milionárias por parte de responsáveis com poder de decisão em todo o processo de concessão dos chamados vistos dourados. O advogado Adriano Malalane considera que há falta de transparência neste processo de concessão de vistos especiais.
Os angolanos estão entre as cinco nacionalidades estrangeiras que beneficiam dos vistos “gold”, um regime especial de autorização de residência aberto pelo Estado português em outubro de 2012 para atrair o investimento estrangeiro e criar emprego.
Os vistos são atribuídos a cidadãos extra-comunitários interessados em fazer transferência de capital igual ou superior a um milhão de euros para investimentos e a 500 mil euros para aquisição de imóveis em Lisboa, Setúbal, Algarve e na Ilha da Madeira.
Moçambique na lista “gold”
Os chineses no topo, seguidos de brasileiros, sul-africanos e angolanos, incluindo russos, fazem parte de uma lista dos 476 beneficiários dos vistos dourados concedidos em 2013, segundo o relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), divulgado na semana passada.
Segundo o advogado Adriano Malalane, que acompanha os vários processos de imigração em Portugal, também em Moçambique há quem beneficie dos vistos dourados.
“Nós sabemos que há uma comunidade asiática em Moçambique com recursos financeiros muito avultados de origem duvidosa que estão também a aproveitar-se desta facilidade que Portugal concede para exportar capitais”, revela.
Entretanto, sem referir as respetivas nacionalidades, o relatório do SEF informa que apenas foram indeferidos nove pedidos, quatro dos quais investidores.
Vistos já renderam 304 milhões de euros
De acordo com o documento, estes vistos dourados já renderam a Portugal mais de 304 milhões de euros. Até ao final do ano, esta facilitação de vistos, que está sob investigação judicial, deverá atingir os dois mil milhões de euros a favor dos cofres do Estado português.
O embaixador de Angola em Portugal, Marcos Barrica, considera que cabe aos países usarem soberanamente as vias ao seu alcance para estimular as respetivas economias.
“Tenho vindo a acompanhar na imprensa que há alguns problemas na execução destes vistos, mas acredito que vão ser encontrados os pontos de estrangulamento e isso será ultrapassado. Importante é encontrarmos os caminhos para resolver os nossos problemas económicos”, declarou.
Segundo a comunicação social portuguesa, a Polícia Judiciária (PJ) e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) suspeitam que dois responsáveis de organismos dos Ministérios da Justiça e da Administração Interna estejam envolvidos em esquemas de recebimento de milhões em “luvas”, sobretudo de cidadãos chineses e angolanos. As suspeitas sob investigação, em segredo de justiça, recaem sobre um magistrado e elementos dos serviços secretos portugueses.
Falta de transparência no processo
Os contactos efetuados ao longo da semana pela DW África junto do SEF para esclarecer o caso foram infrutíferos por ser considerada uma matéria sensível. Para Adriano Malalane, há falta de transparência no processo.
“Porque para além do visto ‘gold’ facilitar o branqueamento de capitais por parte dos beneficiários, que não sabemos quem são, qual é a origem desses capitais que eles transferem para Portugal?", questiona.
Por outro lado, acrescenta, "também há a questão dos próprios funcionários, a começar pelos funcionários consulares, alguns dos quais estão feitos com os advogados de cambão, que depois vão patrocinar todo o processo com vista à autorização de residência. Já para não falar de alguns funcionários do próprio SEF, que também estão nesta teia, nesta rede de interesses.”
O advogado de origem moçambicana não comenta o inquérito em curso movido pela justiça portuguesa, mas refere que este fluxo de capitais permite o enriquecimento de certas pessoas.
Além do envolvimento de certos escritórios de advogados e imobiliárias, Adriano Malalane também aponta o dedo a certos funcionários consulares. “Vemos que alguns funcionários consulares orientam os candidatos ao visto ‘gold’ para determinados escritórios de advogados em Portugal. Quando chegam a Portugal, já estão orientados, quer para determinadas agências imobiliárias quer para determinados escritórios de advogados. Em troca de quê?”, questiona o advogado.
Lei “manifestamente inconstitucional”
Segundo o advogado, as autorizações de residência atribuídas no âmbito dos vistos “gold” valem à partida por cinco anos. E os indivíduos beneficiados, acrescenta, podem estar fora de Portugal durante três anos sem prestar contas a ninguém.
A maior parte dessas pessoas nem sequer vive em Portugal. “O Estado português não tem como controlar. Muitas vezes não se sabem onde é que vivem, que tipo de atividade desenvolvem, se estão a não a beneficiar ou não organizações terroristas”, sublinha.
Para Adriano Malalane, a lei portuguesa que rege os vistos dourados “é manifestamente inconstitucional” porque privilegia cidadãos com maior poderio económico em detrimento dos que não têm este património financeiro, obrigados a cumprir requisitos mais apertados para ter o direito de residência.
O advogado acredita que mais tarde ou mais cedo a lei será revogada. Portugal está numa situação financeira muito difícil. Malalane tem dúvidas que esta seja a via para a solução dos problemas do país.