Sudão: "O mundo tem razão em estar preocupado"
29 de outubro de 2021O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se numa sessão de emergência na terça-feira (26.10), um dia após a tomada do poder pelos militares, para discutir a crise no Sudão. Mas os cinco membros permanentes não conseguiram chegar a acordo sobre uma declaração conjunta. A China e a Rússia rejeitaram ameaças de sanções concretas contra os líderes golpistas, caso estes se recusassem a cumprir exigências que visavam desanuviar a situação.
"Todos os Estados têm os seus próprios interesses e ideias sobre o Sudão. Ontem vimos que as análises, por exemplo, da Rússia, por um lado, e dos EUA e dos Estados ocidentais, pelo outro, estão ainda muito distantes", disse à emissora alemã Deutschlandfunk Volker Perthes, representante especial do secretário-geral da ONU para o Sudão.
Perthes alertou para as terríveis consequências que poderão advir da falta de unidade, salientando não excluir uma repetição do que ocorreu, recentemente, na Líbia e na Síria. "Qualquer fragmentação, qualquer diferença significativa no Conselho de Segurança entre as grandes potências, acaba por se repercutir na situação interna de países como o Sudão", disse.
Mais pressão sobre Cartum
Na quarta-feira (27.10), a União Africana suspendeu o Sudão da organização. Antes, os Estados Unidos da América anunciaram a interrupção temporária de ajuda de desenvolvimento no valor de 700 milhões de dólares.
A pressão internacional pareceu surtir primeiros efeitos: o primeiro-ministro do Governo derrubado, Abdalla Hamdok, foi autorizado a regressar a casa, onde se encontra agora em prisão domiciliária. Mas muitos líderes civis e militares continuam detidos. Na quarta-feira, o Exército prendeu vários conhecidos ativistas pró-democracia.
No mesmo dia, o Banco Mundial suspendeu a ajuda ao Sudão, referindo preocupação com "o impacto dramático que isto [o golpe] pode ter na recuperação e no desenvolvimento social e económico do país", segundo uma declaração do presidente da instituição, David Malpass. A União Europeia condenou veementemente a tomada do poder pelos militares.
"Não é o bastante", disse à DW o analista Theodore Murphy. "Os autores de um golpe não contam com as boas-vindas. Estão preparados para ouvir as condenações, que são uma reação normal e automática. Uma declaração sem ameaças concretas será interpretada pelos militares como significando que não haverá realmente consequências", afirmou o diretor do programa para África no Conselho Europeu para as Relações Externas.
Apelo à ação concreta da União Europeia
A União Europeia tem grande interesse na estabilidade na região: mais conflitos podem desencadear novas vagas de refugiados. Mas outros fatores são igualmente importantes, tendo em conta a localização do Sudão na encruzilhada do continente.
O Sudão tem potencial para desempenhar um papel positivo na Etiópia, que é de interesse para a Europa, e no Sudão do Sul, que é também de interesse para a Europa, e ainda no Chade, que está a atravessar a sua própria transição, e, finalmente, na Líbia, para o Norte. Mas para isso é necessário que o Sudão tenha um governo estável, funcional e democrático", salientou o analista.
Para já, os sudaneses estão longe da estabilidade e democracia. Cerca de 60 pessoas morreram e houve feridos nos protestos de rua que se seguiram à tomada do poder pelos militares. A resistência civil é ferrenha e não mostra sinais de abrandar.
"O mundo tem razão para estar preocupado", disse à DW Murithi Mutiga, diretor de projetos para o Corno de África no grupo de reflexão International Crisis Group.
Repercussão para além do continente
Isto porque os acontecimentos no Sudão vão repercutir em África e para além do continente. Uma liderança militar em Cartum é suscetível de alterar a dinâmica política entre o Sudão, Egito e Etiópia na disputa sobre a Grande Barragem do Renascimento de Adis Abeba. Existe uma estreita relação entre as lideranças militares do Sudão e do Egito, outro país no qual o Exército usurpou o poder após uma revolução popular democrática
"O que estamos a ver é uma inversão da situação, há cerca de dez anos, quando o Sudão era muito próximo da administração etíope e, portanto, apoiou a construção da barragem no rio Nilo", disse Mutiga. Embora seja difícil prever o futuro, "sem dúvida que o Cairo vê esta [tomada do poder pelos militares] como um resultado satisfatório", acrescentou o analista.
O Sudão poderia também assumir um papel mais ativo no conflito etíope, colocando-se abertamente do lado das forças do movimento de Tigray, que combate pela autonomia na região do mesmo nome no país vizinho.
Importa apoiar o povo sudanês
Há uma hipótese de o Egito e os Estados do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, apoiarem um regime que está a tentar acabar com a resistência democrática. A estes regimes autocratas preocupam seriamente tendências pró-democráticas nos seus países. Mas apoiar os generais sudaneses só iria prolongar a crise, o que não pode ser do interesse de ninguém, adverte Mutiga.
"Todos os atores, incluindo as monarquias do Golfo, têm de estar cientes da necessidade de uma solução negociada. Os sudaneses não vão aceitar facilmente ser governados por um regime autocrático, especialmente depois de terem provado os frutos da liberdade em abril de 2019", salientou o analista, referindo-se à revolução popular que pôs fim à ditadura do Presidente Omar al-Bashir.
O Sudão é vulnerável à pressão financeira, por estar largamente dependente do apoio externo. Mas suspender a ajuda ao desenvolvimento como meio de pressionar uma junta militar que não mostra grande preocupação com os direitos humanos e o bem-estar do povo pode não ser a melhor opção, acrescenta.
"A tragédia é que muito deste apoio financeiro ia ser canalizado para os mais pobres entre os pobres, numa altura em que o Sudão atravessa uma crise económica terrível", disse Mutiga.