Em Angola ativistas de Cabinda continuam detidos
19 de março de 2015No dia em que Angola afirmou no Conselho dos Direitos Humanos da ONU que considera a liberdade de expressão um direito fundamental, ativistas em Cabinda estão a ser julgados por terem desejado exercer o seu direito.
E também nesta quinta-feira (19.03), duas organizações da sociedade civil angolana, a Liga dos Direitos do Homem e a Justiça, Paz e Democracia AJPD, publicaram um relatório em que levantam graves acusações de violação dos direitos fundamentais contra o Governo de Luanda. A DW África falou, a propósito, com a a presidente da AJPD, Lúcia Da Silveira.
DW África: O que se passou que mereça a revolta e indignação da Associação Justiça Paz e Democracia?
Lúcia da Silveira: Nos últimos anos, a situação dos direitos humanos em Angola tem estado a deteriorar-se. E nós continuamos, a nível interno, a sofrer muita pressão e principalmente a serem cortados os nossos direitos fundamentais, de informação, de imprensa e o direito que temos de manifestar para demonstrar o nosso descontentamento. Isso fez como que decidissemos fazer esse relatório focalizando nos ativistas dos direitos humanos que no seu dia a dia têm estado a sofrer represálias por causa do trabalho que realizam, exatamente para ter a visibilidade que interessa. Angola está a aceitar as recomendações feitas pelos Estados membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas e queríamos também chamar a atenção para o facto de Angola estar a assumir muitos compromissos internacionais, mas, infelizmente, a nível interno, na prática, não consegue observar estas questões.
DW África: Se voltarmos a este caso concreto dos dois ativistas que hoje permanecem na prisão para dar tempo às autoridades para recolher mais elementos para os voltar a por em tribunal, este é um procedimento habitual?
LS: Quando cidadãos decidem manifestar-se para demonstrar o seu descontentamento sobre a má governação, a má distribuição dos recursos naturais, a violência policial, sempre é esta a reação que verificamos por parte da polícia. A violência policial é uma prática que tem estado a acontecer, a detenção arbitrária e ilegal é uma prática durante as manifestações, porque o direito de manifestação é um direito fundamental garantido constitucionalmente. Significa que é uma prática reiterada do Governo que tem sido incapz de responsabilizar os perpetradores. Obviamente que ao não responsabilizar os perpetradores está a compactuar com estas ações.
DW África: Acha que o procedimento contra os dois ativistas Marcos Mavungo e o advogado Arão Tembo é particularmente severo porque se trata de Cabinda, e Cabinda é um ponto muito sensivel em Angola?
LS: Sim, sim, Cabinda é uma questão sensivel. Nós estamos a seguir de perto os acontecimentos de Cabinda. O que aconteceu foi uma manifestação de pessoas de Cabinda que não estão contentes com a governação, ou seja, estavam a exercer um direito fundamental garantido constitucionalmente. Obviamente que como é uma prática que tem acontecido nos últimos anos aqui em Angola, foram reprimidos e detidos os defensores dos direitos humanos que até agora continuam detidos sem nenhuma explicação aparente ou legal.
DW África. Disse que há instituições internacionais de defesa dos direitos humanos que se insurgiram contra estas detenções e exigem a libertação imediata dos ativistas. Há também, como é o caso da AJPD, organizações angolanas que exigem o mesmo. Mas parece que esta pressão não tem qualquer efeito sobre o Governo de Angola. Porquê?
LS: Desde a aprovação da nossa Constituição, se reparar, foi na altura em que as coisas começaram mesmo a deteriorar. Os poderes que são dados ao Presidente da República, a concentração de poderes, é muito grande. Pensamos que o facto de Angola estar a crescer economicamente deu uma certa liberdade ao país. E também o facto de Angola estabelecer parcerias com países que não questionam as práticas dos direitos humanos, como por exemplo a China, faz com que Angola não se sinta obrigada a cumprir com a responsabilidade internacional e principalmente com as leis internas aprovadas pelo Parlamento.
DW África: A seu ver, o que poderia a comunidade internacional fazer para reforçar a sociedade civil em Angola e para proteger os defensores dos direitos humanos?
LS: Primeiro, penso que já é um bom caminho as recomendações feitas pelos vários países que são membros do Conselho das Nações Unidas. Agora, resta a esses países monitorar essas recomendações e averiguar se, realmente, Angola daqui a dois anos terá cumprido com as recomendações. Isto é extremamente importante. Outra coisa importante é dar visibilidade aos defensores dos direitos humanos que estão a ser responsabilizados criminalmente por fazerem o seu trabalho. E também é muito importante que a comunidade internacional esteja aberta para dialogar com o Governo e com a sociedade civil para discutir esses problemas.