"Setor informal deve pagar impostos em Moçambique"
19 de julho de 2016O ministro da Economia e Finanças de Moçambique, Adriano Maleiane, anunciou que o Orçamento do Estado retificativo apresentado ao Parlamento será financiado atarvés do alargamento da base tributária, o que exclui o aumento de impostos.
Em entrevista à DW África, o economista moçambicano Hipólito Hamela, que trabalha há 20 anos como consultor no setor privado, defende que produtores informais, que não possuem registo tributário nem documentos de identificação, sejam incluídos no sistema de contribuição.
Para o especialista, a solução passa por criar uma plataforma entre o setor privado formal e o informal. "Eu acho que o dinheiro está lá", afirma.
DW África: O Governo moçambicano garante que não vai aumentar impostos, mas "alargar a base tributária". Qual é o impacto social dessa medida?
Hipólito Hamela (HH): O sistema tributário cai sempre sobre as mesmas empresas formais. Alguns dos negócios que correm no setor informal têm dimensão maior do que os do setor formal. As "mukeristas", por exemplo, têm um volume de negócios maior do que um negociante do setor formal, mas como trabalham no setor informal não pagam impostos que vão para os cofres do Estado e engrossam a receita tributária. Outra discussão que existe é por que não há impostos para os mega-projetos. Os benefícios fiscais acabam por ser um problema. Mas as empresas médias, membros da CTA [Confederação das Associações Económicas de Moçambique], essas têm que pagar, não há hipótese.
DW África: Como funcionaria um alargamento da base tributária?
HH: Desde 2011, eu estudo as transações dos milhões de camponeses de Moçambique com o mercado formal. Existe uma figura que se chama despesas não-documentadas. O que significa que, se eu comprar milho de 40 famílias da minha zona que não possuem nem BI [Bilhete de Identidade], nem NUIT [Número Único de Identificação Tributária], logo elas não podem passar recibo.
Isso não pode ser tomado como custo ou despesa, porque aquelas pessoas que me forneceram não têm essas condições. Parece haver alguma abertura da Autoridade Tributária de Moçambique para discutir como garantir que as transações entre os produtores familiares agrícolas e os agroprocessadores fluam de uma forma boa. Isto é a guerra que estamos a ter agora. Estamos a discutir esse problema para ver se há alguma forma de trazermos essas pessoas todas para o sistema tributário.
DW África: Como o Estado poderia aplicar esses impostos?
HH: A Associação Algodoeira de Moçambique, por exemplo, já se mostrou disponível para trazer as 300 mil famílias que produzem algodão a pagar apenas 3% de imposto sobre a produção. A ideia é dar aos grandes operadores do setor privado algum poder para trazer essas famílias ao sistema tributário. Quem sabe não vamos alargar o sistema tributário. Estamos a falar de milhões de pessoas.
DW África: Dado o tamanho desses negócios, os produtores conseguiriam pagar os impostos a serem exigidos pela Autoridade Tributária?
HH: Os produtores de soja e gergelim ganham muito dinheiro. Os fornecedores de milho ganham menos, mas com a estiagem os preços subiram. Há 13 anos, quando fiz um estudo, os camponeses recebiam de 6 a 12 meticais por quilo de milho.
Agora recebem entre 12 e 23, até 30 meticais. Levando em conta que produz-se 600 quilos de milho por hectare, a situação está ótima. É tempo de buscar 3% aqui, 3% ali de milhões de pessoas.
Na minha opinião, a ideia do ministro é excelente. Entretanto, é preciso criar condições para que a Autoridade Tributária aceite a parceria com o setor privado, que seria o intermediário para buscar esses 3% que andam perdidos neste país. Para mim, a solução é essa, é preciso criar uma plataforma entre o setor privado formal e o informal. Eu acho que é lá onde o dinheiro está.