Será o início do fim da nova “Rota da Seda” chinesa?
11 de maio de 2021O Governo australiano cancelou alguns pequenos projetos conjuntos de infraestrutura com a China, mas a resposta de Pequim à medida foi ultrajante e ameaçadora. A embaixada chinesa em Camberra considerou a medida imprudente e agressiva e prometeu retaliar.
A Austrália aprovou uma lei no ano passado para permitir que o Governo central rescindisse vários contratos de infraestrutura assinados entre estados e o Governo chinês.
O Presidente Xi Jinping lançou seu projeto internacional para a construção da "Belt and Road Initiative” – a chamada "Rota da Seda", que visa melhorar o acesso da China aos mercados e recursos internacionais e fortalecer a influência de Pequim em países estrangeiros.
O estado australiano de Vitória assinou em 2018 e 2019 acordos com a China para a construção de infraestruturas, mas a ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Marise Payne, disse que os acordos são contra a política externa do país e não têm peso legal.
"Duro golpe"
A anulação dos acordos significa o término da cooperação nos setores industrial, de biotecnologia e agricultura entre a China e a Austrália. Heribert Dieter, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e Segurança (SWP), diz que o cancelamento dos acordos foi um duro golpe para a China.
Para Dieter, trata-se de uma questão bilateral e as relações entre os dois países tem piorado há três anos. "Mas é uma perda extraordinariamente grave para a China. O mundo tomou nota disto, e mostra que existe uma oposição crescente nos países ocidentais à Rota da Seda", explica.
A China impôs tarifas às exportações australianas após as críticas de Camberra à política externa mais agressiva de Pequim. O Governo australiano liderou apelos para uma investigação completa sobre as origens da pandemia do novo coronavírus e foi o primeiro país ocidental a proibir a companhia de telefonia Huawei da sua rede 5G.
Efeito dominó
O especialista alemão diz à DW que a decisão do Governo australiano poderia provocar atrasos ou desistências por parte de outros países envolvidos na Rota da Seda. A iniciativa chinesa perdeu força, em parte também pela pandemia de Covid-19 - que deixou muitos dos outros parceiros da China a enfrentar a crise económica - principalmente países pobres da Ásia e África.
Dieter explica que a pandemia é inconveniente para a China porque muitos países estão a passar por grandes dificuldades económicas. Isto começa com o principal país parceiro, o Paquistão. Outros países parceiros da Rota da Seda, ainda mais pobres, encontram-se na mesma situação.
"A China deve agora considerar como é que, como país doador, irá lidar com a nova situação. E teria de alargar os termos dos empréstimos ou, de um modo geral, colocar os projetos em segundo plano por enquanto", explica o analista.
"Cláusulas escandalosas"
Mas pouco se sabe sobre as letras miúdas na maioria dos acordos de empréstimo da China com os países parceiros da Rota da Seda. Investigadores do Instituto de Kiel para a Economia Mundial (IfW) e da Universidade de Georgetown nos EUA avaliaram 100 acordos de empréstimo da iniciativa e publicaram-nos num estudo intitulado "How China Lends" [Como a China Empresta].
Segundo o estudo, os contratos chineses contêm "cláusulas de confidencialidade invulgares que proíbem os mutuários de revelar os termos ou mesmo a existência da dívida", escreveram os autores do estudo. "Os credores chineses também garantiram uma vantagem sobre outros credores ao excluir as dívidas da Rota da Seda de serem incluídas no perdão da dívida" coordenado pelo Clube de Paris, um grupo de funcionários de grandes nações credoras que ajudam países em dificuldades financeiras.
O estudo concluiu também que as "cláusulas de cancelamento, aceleração e estabilização nos contratos chineses permitem potencialmente aos credores influenciar as políticas internas e externas dos devedores".
Dieter chama a estas cláusulas contratuais "escandalosas" porque não são, como afirma o Governo chinês, acordos de empréstimos privados que não precisam de ser divulgados. Mesmo que, do lado chinês, sejam [feitos por] atores privados no nome, são atores apoiados pelo Estado".
Atores maiores reagem
Os contratos opacos tornaram-se o padrão para a Rota da Seda, afirma Dieter, e a "corrupção" também ajudou a concluir vários acordos. Ele deu o exemplo de Montenegro, "onde construíram uma autoestrada absurdamente cara, provavelmente como resultado de um enxerto dentro de governos anteriores".
A Austrália poderia ser o "canário na mina de carvão” pela crescente relutância do mundo em ser intimidado pela China. Um aumento acentuado foi notado na vontade dos países Indo-Pacíficos de construir alianças contra a China, diz Dieter, dando o exemplo da nova colaboração militar entre Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos.
"Seria um duro golpe para a narrativa chinesa descobrir que não só a Austrália, que é comparativamente pequena em termos de população, mas também os atores maiores estão a despedir-se da Rota da Seda e, portanto, da perspetiva de uma cooperação mais estreita com China", disse Dieter.
O maior obstáculo na UE
A União Europeia (UE) também está a mostrar sinais de uma mudança de atitude em relação às ambições da China. Os Estados da UE que costumavam ser bastante amigáveis com a China, como a Itália, apoiam cada vez mais um regresso de laços mais estreitos entre a Europa e os EUA, afirma Mikko Huotari, o diretor do think tank MERICS China em Berlim, à DW.
"Já existe o perigo de o governo alemão, nos últimos meses da chancelaria de Merkel, continuar ligado a um rumo na sua política da China que não reconhece que o vento também mudou em muitos outros estados membros da UE", diz Huotari.
Esta avaliação é partilhada por Dieter, que disse que o governo da Alemanha era o "maior obstáculo ao desenvolvimento de uma política chinesa comum entre os países industrializados ocidentais". Ele diz que o governo também tinha enviado o sinal errado ao fazer passar o Acordo Global de Investimento UE-China, que se destina a obrigar Pequim a abrir a sua economia.
Embora as críticas à China sejam agora muito fortes em quase todas as capitais europeias, Berlim está apenas "a pisar o travão", disse Dieter.