Relatório revela normas repressivas contra médicos cubanos
29 de julho de 2020As condições de trabalho a que estão sujeitos os médicos cubanos que frequentemente são enviados para o estrangeiro para ajudar em zonas de crise voltaram ao debate depois de uma recente denúncia da Human Rights Watch (HRW).
Numa altura em que mais de 2 mil médicos cubanos combatem em 35 países do globo a pandemia da Covid-19, a organização de direitos humanos volta a pedir aos governos que recebem estes profissionais que intercedam por aquilo a que chama "os direitos básicos” destes trabalhadores.
O Governo de Havana recebe elevadas somas pelos serviços prestados pelos médicos. A sua "exportação" é uma importante fonte de divisas para o regime; os próprios trabalhadores qualificados recebem apenas uma fracção do que os países recetores pagam.
Relatores da ONU associaram num relatório de 2019 o sistema dos médicos cubanos à "escravatura moderna". Agora, a HRW junta-se às denúncias sobre as condições de trabalho. Segundo a organização, as normas de conduta "draconianas" violam numerosos direitos básicos dos chamados médicos "colaboradores", tais como a liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de movimento, direito à privacidade, e outros.
António Guedes é ex-presidente e membro da direção do partido da oposição União Liberal Cubana (ULC) e está exilado em Espanha. À DW, ele afirma que, apesar de tardia, esta chamada de atenção por parte da Human Rights Watch é bem-vinda.
"Poderia fazer a diferença no sentido em que Cuba seria obrigada a mudar um pouco as condições de vida dos cubanos, mas duvido que o façam. Duvido muito que as empresas que investem em Cuba, e os governos que recebem os profissionais cubanos pressionem [o Governo cubano], porque não lhes interessa”, lamenta Guedes.
Trabalho valioso
De fato, o trabalho destes médicos é crucial para as comunidades de muitos países estrangeiros. Em Moçambique, por exemplo, a colaboração desses profissionais foi uma ajuda valiosa na crise humanitária que se instalou no país - após os ciclones Idai e Kenneth no ano passado. O mesmo se passa atualmente com a pandemia de Covid-19.
À semelhança de Moçambique, também Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Guiné-Equatorial têm estado a receber médicos cubanos.
António Guedes não tem dúvida. O envio dos profissionais para estes países por parte do regime cubano não é inocente. "Há três fatores principais: primeiro, a imagem - por incrível que pareça - sempre foi incrivelmente importante para a ditadura cubana a sua imagem perante o mundo. Em segundo lugar está a influência política que o regime consegue através da troca de informações de inteligência, favores e aí por diante. E por último, o factor económico.”
Ao contrário do regime cubano são os médicos que acabam por ter de pagar um preço demasiado alto por estas missões. É que, denuncia a Human Right Watch, é o governo quem dita, por exemplo, com quem vivem estes médicos, por quem se apaixonam ou com quem falam. Qualquer contato com pessoas que sejam críticas à "revolução cubana" é proibido e toda e qualquer má conduta por parte de um colega deve ser imediatamente denunciada pelos demais.
"Superpotência médica"
Este tipo de restrições não é novidade, e António Guedes acredita que estejam para ficar, apesar da mudança de Governo.
"De acordo com a Constituição, o órgão mais alto do Estado é o Partido Comunista. Não houve alterações na Constituição, não houve alterações naqueles que efetivamente governam o país. Raúl Castro continua a ser o secretário-geral do Partido Comunista”.
Assim, e independentemente do Governo, diz António Guedes, a prioridade do regime é e será sempre reforçar a imagem de Cuba como uma superpotência médica.
"É esta imagem que querem vender, apesar de na realidade faz muitos anos que Cuba deixou de o ser. Em Cuba falta de tudo no setor da saúde. Faltam medicamentos, faltam profissionais, a infra-estrutura é desastrosa. Estou a falar para o povo. Não estou a falar para as clínicas ou para os turistas e elites que pagam em dólares ou em euros”.