Relações Moçambique-Malawi deverão melhorar com Joyce Banda
10 de abril de 2012A nova chefe de Estado do Malawi, que toma posse esta terça-feira (10.04.), anunciou a substituição de vários responsáveis, entre eles o governador do Banco Central, o chefe da polícia nacional e o patrão da rádio-televisão pública. A medida de Joyce Banda, de 61 anos, foi saudada como um avanço democrático.
A primeira mulher a exercer a magistratura suprema na África Austral deverá também relançar a economia e reconciliar o seu país com os doadores e países vizinhos, nomeadamente Moçambique.
Na verdade, as relações entre o Malawi e Moçambique degradaram-se muito nos anos da presidência de Bingu wa Muthakira, que faleceu no passado sábado (07.04.) na capital Lilongwe. No centro das divergências entre os dois países esteve quase sempre o porto fluvial malawiano de Nsanje, a partir do qual o Malawi pretendia um acesso mais rápido ao Oceano Índico, mas desvalorizado por Maputo. Por outro lado, o Malawi sempre teimou em não comprar energia barata a Cahora Bassa, preferindo importar combustível mais caro.
No entanto, com a nova presidente, vários analistas consideram que as relações entre os dois países serão melhores, pelo menos "do ponto de vista teórico", como disse em entrevista à DW África o jornalista moçambicano Fernando Lima, chefe do grupo jornalístico Mediacoop. O analista acrescenta que há que considerar duas situações específicas.
Fernando Lima (FL): De um ponto de vista estrutural e global, é verdade que a relação Moçambique-Malawi nunca foi boa e isto prende-se inclusivamente com o passado colonial e o envolvimento do ditador Banda com o governo português enquanto administrador da colónia Moçambique. Este é um dos pontos que explica a tradicional desconfiança das autoridades do governo de Moçambique, que pertencem ao partido FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique], partido que teve grandes problemas, durante o período de luta pela independência, com o governo do Malawi. Por outro lado, acho que existia uma grande animosidade entre a administração do presidente Bingu Mutharika e a administração do presidente Guebuza. Sobre este último aspeto, há todo o potencial para um novo relançamento da cooperação e das relações bilaterais Moçambique-Malawi.
DW África: Essa animosidade até pôs em cheque o porto fluvial malauiano de Nsanje, a partir do qual o Malawi pretendia um acesso mais rápido ao Índico, mas que o governo de Maputo nunca aceitou. Isso vai agora ser ultrapassado?
FL: Tenho sérias dúvidas, porque toda a questão do acesso do Malawi ao mar prende-se também com outra questão, que é a navegabilidade do Zambeze para a utilização dos acessos ao carvão de Moatize. Ora, se Moçambique autorizasse o acesso ao porto de Nsanje de algum modo, indiretamente, estaria a pôr em causa o para já parecer negativo e resposta negativa que deu à empresa Rio Tinto, que pretendia utilizar o rio Zambeze para passar barcaças de carvão com destino ao Chinde, exatamente à foz do rio Zambeze.
DW África: Mas também houve uma certa teimosia das autoridades do Malawi em não comprar energia a Moçambique?
FL: Interpreto essa questão como uma retaliação naquilo que era possível ao Malaui retaliar em relação a uma série de incidentes que tem acontecido nos últimos anos. A questão do combustível e do abastecimento do combustível, a utilização do porto de Nacala, a participação do Malawi na empresa que explora a linha férrea que liga o Malawi a Nacala e, por último, a questão do rio e da navegabilidade do rio. Logo, o Malawi retaliou até onde foi possível e até onde era possível.
DW África: Mas não se compreende que, no seio da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), dois países vizinhos tenham problemas desse tipo...
FL: É verdade e muitas vezes este tipo de situação roça o absurdo. Por exemplo, aquando da inauguração do porto de Nsanje, para o qual aparentemente estava convidado o presidente moçambicano e não compareceu, a imprensa moçambicana mais fiel ao governo fez circular que o presidente não tinha sido convidado. Ora, isto ocasionou aquilo a que eu chamaria de gafe diplomática. Originou que o presidente de Moçambique tivesse que despachar para uma série de países da região uma delegação chefiada pelo ministro dos Transportes, Paulo Zucula, para, exatamente, explicar a não comparência do presidente moçambicano na inauguração. Portanto, isto de algum modo ilustra que estes absurdos têm um preço mesmo em termos de SADC e, portanto, Moçambique, para não ficar isolado e para não ser alvo de críticas dos seus próprios parceiros na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, teve que fazer este exercício diplomático de emergência.
DW África: Joyce Banda e Armando Guebuza têm que se entender?
FL: Eu penso que sim. E seria muito importante para os dois países, porque Moçambique também tem grandes benefícios a obter da cooperação com o Malawi, nomeadamente a cooperação económica. Por outro lado, há uma realidade que também é importante compreender: uma parte significativa da população malauiana tem laços de sangue com Moçambique e virar as costas a este vizinho que tem esta consaguinidade com Moçambique quer-me parecer que é um erro quer do ponto de vista histórico quer do ponto de vista sociológico e, em última análise, do ponto de vista político.