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Direitos HumanosRepública Democrática do Congo

RDC: Faltam direitos e transparência nas minas de cobalto

Jonas Gerding
21 de março de 2024

Trabalho infantil e falta de segurança nas minas de cobalto da República Democrática do Congo mancham reputação de veículos elétricos. Esforços para melhorar transparência na indústria esbarram em grandes obstáculos.

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Mina de cobalto na RDC
Foto: Jonas Gerding/DW

O engenheiro de minas Pierre Amani Kangenda espreita para um poço estreito que chega às profundezas de uma mina de cobalto. Não consegue distinguir bem as silhuetas dos jovens cujo trabalho consiste em carregar sacos de 20 quilos de terra rica em cobalto e cobre até à superfície, mas consegue ver as suas lanternas na escuridão.

Os homens usam picaretas e pás para escavar em busca de cobalto nesta mina de pequena escala conhecida como UCK Drain, nos arredores de Kolwezi, na cintura de cobre do sul da República Democrática do Congo (RDC), onde se extraem grandes quantidades de cobalto.

"Assim que chegam ao veio de minério, começam a extrair as matérias-primas", diz Kangenda, que veste um colete refletor enquanto faz a patrulha diária do local, que tem 59 poços. "Quando chegam aos 30 metros de profundidade, param e procuram outro local para escavar. É o que ditam as regras [aqui]", explica.

Noutros lugares, os poços podem chegar aos 100 metros de profundidade, dependendo dos regulamentos locais.

A perigosa atividade de extração de cobalto na RDC atrai cada vez mais a atenção internacional
A perigosa atividade de extração de cobalto na RDC atrai cada vez mais a atenção internacionalFoto: Jonas Gerding/DW

Um grande setor informal

Na RDC estão cerca de dois terços de todo o cobalto do mundo. O país supera largamente a produção dos seus concorrentes mais próximos, a Austrália e a Rússia. Cerca de 15-20% do cobalto da RDC é extraído por mineiros artesanais, como os que trabalham na UCK Drain.

Escavar os túneis na terra vermelha é um trabalho duro e perigoso. No entanto, é um pouco mais seguro aqui do que noutras minas artesanais do país.

Kangenda, que trabalha como monitor e formador para a RCS Global, uma consultora com foco na transparência na cadeia de abastecimento e no fornecimento responsável, está lá para garantir que as normas estão a ser cumpridas. "Verifico que problemas existem. crianças no local? Há violência, violações?", diz à DW.

Kangenda explica que os túneis têm de ser protegidos e encerrados se surgirem fissuras e são erguidos telhados de chapa sobre os poços para os proteger da chuva. Grávidas e militares não estão autorizados a entrar no local.

"Se houver incidentes, comunicamos aos nossos parceiros. Tentamos corrigi-los para que a cadeia de abastecimento seja internacionalmente aceitável", afirma Kangenda.

Pierre Amani Kangenda, monitor e formador da consultora RCS Global
Pierre Amani Kangenda, monitor e formador da consultora RCS GlobalFoto: Jonas Gerding/DW

Salvar a reputação da mobilidade elétrica

Kangenda regista tudo o que observa nas suas rondas num programa de computador. A mina é uma de oito que integram o programa Better Mining (em português, Melhor Mineração) da RCS, que visa monitorizar e apoiar continuamente a melhoria das condições nas minas artesanais e de pequena escala e nas suas imediações.

Empresas parceiras na cadeia de abastecimento podem aceder aos dados inseridos no programa e reagir. Isto é importante, numa altura em que a procura por cobalto continua a disparar.

O cobalto é um elemento chave das baterias de lítio que alimentam dispositivos eletrónicos e veículos elétricos. Mas relatos de condições de trabalho perigosas e de trabalho infantil nas minas informais da RDC desencadearam, nos últimos anos, protestos contra o chamado "cobalto de sangue".

Isto está a obrigar os fabricantes de veículos elétricos, que se apresentam como sustentáveis, a procurar formas de obter "cobalto limpo", não contaminado por práticas laborais abusivas - uma tarefa que está a revelar-se difícil.

Travar o trabalho infantil

Graças à vigilância nesta mina, é relativamente fácil proibir crianças de trabalhar nos túneis ou mesmo de entrar no local. No entanto, é mais difícil impedir as crianças de vender o minério em bruto que encontram ao remexer nos restos de pedras no local aos intermediários chineses que controlam a maioria dos armazéns comerciais.

"Tentamos explicar aos donos dos armazéns que não podem comprar a matéria-prima que as crianças lhes trazem", diz Kangenda. "Esta é a condição que lhes impomos."

O programa Better Mining também lançou campanhas de informação nas escolas e igrejas da região para tentar manter as crianças longe da mina.

"Estamos a pensar numa forma de vedar o espaço", explica Alain Mpalanga, vice-presidente da cooperativa Somikas, a organização dos mineiros da UCK. "Se conseguirmos fazer isso, incluindo os armazéns e a área de alimentação, as crianças já não vão conseguir ter acesso ao local."

RDC detém um terço do cobalto mundial
RDC detém um terço do cobalto mundialFoto: Jonas Gerding/DW

O problema constante do colapso de túneis

A Somikas ganha 10% por cada quilo de cobre e cobalto extraídos da mina UCK Drain, adianta Mpalanga, que supervisiona 5.000 mineiros que trabalham neste local. Não têm um emprego formal. Apenas trabalham em conjunto para escavar um túnel e juntam os seus ganhos.

Questionado sobre a RCS Global, Mpalanga responde: "Trabalhamos em simbiose". No entanto, a morte ensombra as operações da mina: "Tem havido muitas mortes [na mineração de cobalto] desde que as matérias-primas começaram a ser comercializadas em grande escala", diz o responsável à DW. "Mas conseguimos acabar com a série de colapsos constantes de túneis, porque agora temos especialistas técnicos e engenheiros."

Isto não significa que já não há vítimas mortais devido a túneis colapsados, mas sim que menos pessoas morrem nos desabamentos, admite Mpalanga. "Nunca tivemos mais de cinco mortes num acidente", frisa, lembrando acidentes que matam dezenas de pessoas duma só vez.

Uma cadeia totalmente limpa ainda não é possível

O Better Mining não é um certificado de uma cadeia de abastecimento sem falhas. O seu objetivo é permitir que as empresas no final da cadeia de abastecimento cumpram as obrigações das empresas no estrangeiro, tal como é agora exigido pela legislação alemã, afirma Lucien Bahimba, especialista em conformidade e coordenador regional da RCS Global.

"Trata-se de um esforço contínuo em que as pessoas compreendem que, talvez dentro de um mês ou um ano, têm de abandonar comportamentos que repetem há cinco ou dez anos. Nem sempre é fácil", explica.

Bahimba aponta para o ecrã do computador portátil, no seu escritório em Kolwezi, que mostra as minas que estão a ser monitorizadas. Cada mina tem uma classificação e o programa mostra as queixas individuais, bem como as medidas corretivas que estão pendentes e as que já foram implementadas.

As empresas no final da cadeia de abastecimento também podem ver esta informação. A RCS Global incluiu na sua página inicial os fabricantes de automóveis Volvo, Ford e General Motors como parceiros.

Os sacos de minério são transportados até aos comerciantes
Os sacos de minério são transportados até aos comerciantesFoto: Jonas Gerding/DW

Fontes limpas e problemáticas misturam-se

De volta à mina, pessoas empurram bicicletas carregadas de sacos de minério empoeirados, subindo uma colina até uma fileira de barracas de madeira pintadas com os nomes dos compradores chineses. Nestes armazéns comerciais, o minério é dividido, avaliado quanto à sua pureza e pesado.

Trabalhadores carregam um camião com matéria-prima que será levada para uma fábrica para ser processada. Este é um ponto crítico na cadeia de abastecimento.

"O nosso trabalho limita-se a fornecer informações sobre as minas que monitorizamos", diz Bahimba, da RCS Global. O problema, continua, é que os processadores obtêm suas matérias-primas de várias minas, e simplesmente não há como saber quais são as condições em cada uma delas.

"O minério está misturado", diz. "E isso ainda é um pouco preocupante no sector do cobre e do cobalto".

Isso significa que o Better Mining e outros programas de transparência semelhantes ainda não podem impedir que matérias-primas obtidas de fontes problemáticas entrem na cadeia de abastecimento.

Para que isso aconteça, esses programas teriam de abranger as minas de cobalto da RDC em grande escala e ser apoiados por leis acionáveis. "Isso seria de facto o ideal", afirma Bahima.