RDC: Abusos sexuais como "arma de guerra"
9 de agosto de 2017Em frente a um hospital amarelo, mulheres sorridentes aguardam por atendimento médico. Vestem roupas coloridas e véus cobrem os seus cabelos, e conversam, sentadas no chão - um retrato comum em muitas aldeias da República Democrática do Congo (RDC). Mas, apesar do clima descontraído, cada uma destas mulheres já viveu momentos horríveis - foram vítimas de abuso sexual.
Por trás de muitas violações esconde-se o interesse de diversos grupos armados em controlar as áreas ricas em recursos naturais em que as mulheres moram.
"Arma de guerra"
Marie é uma das mulheres que relata o terror vivido: "Eles chegaram de noite, por volta das 22h. Acordaram-nos e começaram a ameaçar os homens e as crianças com machetes. Eu fui violada por cinco homens. Depois de tudo, ainda queimaram a minha casa". Os atacantes pertencem, provavelmente, a uma das muitas milícias da RDC.
O hospital amarelo serve de refúgio às vítimas de violação. Justine Masika construiu o posto de atendimento médico há 15 anos para acolher mulheres vítimas de abusos em Goma, no leste do país.
"A violação é uma arma de guerra para as milícias que andam à procura das mulheres nas aldeias. É uma forma de demonstrar poder em frente aos maridos, que nada podem fazer", diz.
"Terror sexual"
A congolesa Honorata Kizende tinha uma vida feliz como professora ao lado do esposo e dos cinco filhos. Mas, em 2011, ela foi raptada por rebeldes ruandeses Hutus que chegaram à aldeia onde ela vivia: "Se eles dissessem que 'você era a mulher mais bonita do mundo' isso seria um desastre. Eu era a mulher de 'todos' e de 'ninguém'. Quem quisesse satisfazer os seus desejos vinha ter connosco", relata Kizende.
Em África, as mulheres são as "protetoras" do lar e das aldeias, pois cuidam dos campos, dos trabalhos domésticos, do marido e das crianças. Contudo, na RDC, a chegada de um "homem armado" a uma aldeia é o suficiente para destruir a harmonia, diz o médico Denis Mukwege. "Quando dizemos 'abuso sexual', as pessoas associam essa expressão ao sofrimento da mulher. Talvez 'terror sexual' seja melhor, não sei. É preciso encontrar uma expressão melhor, pois "abuso sexual" não traduz o que acontece aqui."
Aos hospitais chegam pacientes para receber cuidados médicos após as violações a que foram submetidas. As mulheres apresentam ferimentos, além do trauma psicológico.
Anonimato
Em anonimato, os soldados reconhecem que violaram mulheres. Em alguns casos, até mesmo com a proteção dos seus superiores. Um deles relata ter violado 53 mulheres, sem "saber ao certo" as idades das mesmas. Contudo, admite que podem ter sido mulheres de 30 a 40 anos, além de jovens e crianças.
Após campanhas internacionais, 39 militares foram levados à Justiça. O processo durou cinco meses e dois soldados foram condenados por abusos sexuais. Outros oficiais foram ilibados.
Para as milícias, o terror, com consequências terríveis para as mulheres, serve como "arma" para se alcançar outros objetivos, diz o médico Mukwege, que já recebeu o chamado prémio "Nobel Alternativo" dos Direitos Humanos pelo seu trabalho com mulheres vítimas de violência sexual.
"O abuso sexual é uma arma na guerra para se controlar os recursos minerais da região. É barato, mas tão destrutivo como uma bomba", conclui o médico.