Ramos-Horta representa a ONU na Guiné-Bissau
2 de janeiro de 2013Ramos-Horta, que iniciará funções no Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS) no início de fevereiro, sucede ao diplomata ruandês Joseph Mutaboba, que termina o seu mandato a 31 de janeiro. O governo de transição guineense havia exigido a substituição de Mutaboba, acusando-o de favorecer as autoridades depostas pelo golpe militar de 12 de abril de 2012.
Presidente de Timor-Leste entre 2007 e 2012 e anteriormente ministro dos Negócios Estrangeiros, Ramos-Horta dispõe de experiência diplomática e de influência internacional, algo que poderá ser relevante para voltar a colocar a Guiné-Bissau na agenda política mundial. Foi condenado ao exílio forçado nos Estados Unidos na sequência da invasão indonésia do seu país e durante 24 anos defendeu a causa timorense na Organização das Nações Unidas (ONU) e nas capitais mundiais. Em 1996, o seu esforço valeu-lhe o Prémio Nobel da Paz, que partilhou com o bispo de Díli D. Ximenes Belo.
“Um bom augúrio para a Guiné-Bissau”
Corsino Tolentino, diplomata e membro da Academia das Ciências e Humanidades, considera a nomeação de José Ramos-Horta “um bom augúrio para a Guiné-Bissau”. Defende ainda que tendo em conta a sua experiência e conhecimento, é “legítimo” esperar do antigo presidente timorense “uma comunicação mais eficaz e credível entre os diversos atores políticos na Guiné-Bissau”.
Questionado sobre o facto de Ramos-Horta pertencer a um país da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) poder vir a agudizar as difíceis relações entre a CPLP e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), o investigador diz que essa tensão “está a entrar numa fase nova” e relembra que esteve recentemente no país uma missão conjunta da CPLP, CEDEAO, União Africana (UA), ONU e União Europeia (UE). Por outro lado, acrescenta, “essa tensão pode acabar por conduzir a uma saída diplomática construtiva e aí é que Ramos-Horta vai ter de demonstrar a sua capacidade diplomática para resolver esse conflito entre a CPLP e a CEDEAO.”
Comentando o facto de o governo de transição da Guiné-Bissau ter já mostrado a sua simpatia em relação à CEDEAO, o diplomata lembra que “a própria CEDEAO está sedenta de encontrar uma saída airosa de uma situação que, em princípio, ela própria condena.”
Corsino Tolentino não vê a nomeação de Ramos-Horta como uma demonstração de força contra a CEDEAO, “mas a favor dos princípios consagrados na ética e no direito internacional, isto é, a promoção da democracia, do voto como forma de resolver os problemas políticos.” O diplomata considera, que “a ONU está a agir bem e que a própria CEDEAO vai acabar por encontrar uma saída condigna” para a crise, que reduza os danos provocados pelo golpe de Estado de 12 de abril.
Organizações da sociedade civil satisfeitas
A nomeação de José Ramos-Horta para o cargo de representante do secretário-geral da ONU na Guiné-Bissau também já foi elogiada pelas organizações representativas da sociedade civil do país.
Tendo em conta o “percurso política e diplomático” de Ramos-Horta, a escolha foi “feliz e acertada”, declararam à agência de notícias Lusa o presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Luís Vaz Martins, e o vice-presidente do Movimento da Sociedade Civil para Paz e Democracia, Mamadu Quetá.
Para estes dois responsáveis, o antigo presidente de Timor-Leste deverá agora promover o diálogo entre as diferentes forças vivas da Guiné-Bissau e ajudar na reforma do setor de defesa e segurança, entre outras prioridades.
Processo exige missão de longo prazo
Em entrevista à DW África em Abril de 2012, pouco depois do golpe de Estado na Guiné-Bissau, o antigo presidente timorense já se tinha mostrado aberto à ideia de mediar a crise que o país vive. “Estou disposto para uma missão também a longo prazo porque o processo da Guiné-Bissau exige um compromisso por parte da ONU de muitos anos. Não podem ser missões de apenas seis meses ou um ano. Tem que se pensar a médio e a longo prazo”, declarou nessa altura.
O ex-chefe de Estado defendia também que a experiência timorense de reconciliação nacional pode ajudar no processo guineense, nomeadamente na profissionalização dos militares. “As Forças Armadas na Guiné-Bissau são constituídas por seres humanos, com todos seus defeitos e as suas virtudes. Vamos ver quais são as suas virtudes e os seus defeitos e vamos tentar fazer prevalecer as virtudes contra os defeitos”, disse.
Segundo o ex-presidente timorense, a comunidade internacional não fez muito pela Guiné-Bissau. “A Comissão Europeia, por exemplo, ao longo de anos, teve uma presença forte na Guiné-Bissau”, onde financiou grandes projetos, recorda. Depois da independência do país, o maior parceiro internacional da Guiné-Bissau foi a Suécia, que entretanto “abandonou a Guiné-Bissau há mais de uma década”, acrescenta. “Portugal foi um dos poucos países que sempre se manteve leal à Guiné-Bissau, mas também o público e os governantes portugueses se cansam”, diz.
Autoras: Nádia Issufo/Helena Ferro de Gouveia/Lusa
Edição: Madalena Sampaio/António Rocha