Ramaphosa sob pressão: Sul-africanos querem mudança
4 de outubro de 2023Dimakatso Ragedi já está habituada: de repente, a casa fica às escuras, a água deixa de borbulhar na panela, a máquina de lavar pára, os telemóveis não carregam - os cortes de energia são uma ocorrência diária na África do Sul.
A professora primária de 35 anos vive com a mãe e a filha em Cosmo City, nos arredores de Joanesburgo. Há doze anos, a família mudou-se para uma casa pequena e simples, co-financiada pelo partido no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC).
"Se a eletricidade não chega, usamos um fogão a gás e lâmpadas recarregáveis", conta Ragedi à DW. Quando ainda viviam no bairro de lata de Alexandra, só tinham dinheiro para comprar velas e pequenos fogareiros, como a maioria dos sul-africanos mais pobres.
Crise energética
A vida de Ragedi melhorou, mas a de muitos sul-africanos não: o movimento de libertação de Nelson Mandela prometeu à população negra maioritária mais prosperidade e habitação adequada como direitos básicos no seu primeiro manifesto eleitoral, em 1994. Hoje, quase 30 anos depois de ter chegado ao poder, o ANC mal consegue manter as luzes acesas.
A crise da eletricidade está a agravar-se. Segundo Raika Wiethe, que vive em Parkview, arredores de Joanesburgo, registaram-se "até doze horas de cortes de energia por dia no primeiro semestre do ano".
Enquanto a África do Sul recebeu os chefes de Estado internacionais para a cimeira dos BRICS, em agosto, o fornecimento de energia foi mais estável, mas, agora, a energia está a falhar com mais frequência, acrescenta.
O Presidente sul-africano está sob pressão: "Cyril Ramaphosa utilizou a cimeira dos BRICS para melhorar a sua própria posição e aumentar significativamente o peso diplomático da África do Sul numa comunidade mundial em mudança", diz o analista independente Daniel Silke.
Mais responsabilidade política
Mas isso não importa para a política local. Os sul-africanos estão preocupados com os problemas básicos no terreno, a má administração, o aumento dos preços e o desemprego. "O ANC tem de assumir mais responsabilidades e garantir que as luzes não se apagam", explica Silke, em entrevista à DW.
A empresa pública de eletricidade Eskom, que produz 90% da eletricidade consumida no país, tem dívidas de cerca de 21 mil milhões de euros e centrais eléctricas a carvão em dificuldades, que avariam regularmente desde 2008. A empresa é também acusada de corrupção e má gestão.
Os apagões diários estão a afetar as empresas e as famílias numa economia enfraquecida, que já sofre com uma forte inflação. "O maior receio é que haja um colapso total da rede eléctrica", diz Dimakatso Ragedi na sua casa em Cosmo City.
Consequências para Ramaphosa
A confiança no ANC diminuiu, nota a professora primária: antes de cada eleição, o Governo promete mais casas para os pobres e empregos, menos crime e corrupção, diz Ragedi. "Mas estamos a caminhar para condições como as do Zimbabué".
O vizinho Zimbabué foi levado à hiperinflação pelo ditador Robert Mugabe e nunca mais recuperou. "Somos uma democracia, mas neste momento parece que somos um país autocrático, é uma confusão", critica.
O líder do ANC vai candidatar-se às eleições presidenciais de maio de 2024. Mas poderá Ramaphosa assegurar um segundo mandato? Chegou à chefia do Estado em 2018 envolto em esperança, depois de o então chefe de Estado Jacob Zuma se ter demitido entre alegações de corrupção. Em 2019, o partido de Ramaphosa obteve 57,5% dos votos nas eleições gerais.
ANC pode perder a maioria
Para Priyal Singh, investigador do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), esta é a primeira eleição na história da África do Sul pós-apartheid que será muito disputada: "Pela primeira vez, estamos a prever que o apoio ao ANC cairá abaixo da barreira dos 50% e vamos mergulhar numa fase turbulenta de política de coligação", considera.
A resistência política já se faz sentir há muito tempo: em agosto, sete partidos da oposição concordaram em formar uma coligação para substituir o ANC no poder - caso o partido não obtenha a maioria absoluta em 2024. Entre eles, encontra-se o maior partido da oposição do país, a Aliança Democrática.
A nível da administração local, o ANC teve de estabelecer parcerias políticas já em 2016. "Estes governos de coligação não foram capazes de resolver as deficiências administrativas que afetaram muitas das grandes cidades", salienta Singh.
Reanimar a economia
Apesar de todos os escândalos que têm ensombrado o Governo de Ramaphosa, o Presidente ainda tem uma base de apoio considerável no ANC. Sobreviveu politicamente, mesmo com os ataques internos dos partidários do seu antecessor Zuma.
Na África do Sul pós-apartheid, não houve nenhum Presidente democraticamente eleito que durasse dois mandatos completos de cinco anos cada, lembra Singh: "Confio nele para fazer isso, apesar das divisões políticas".
O problema mais urgente para Ramaphosa, continua, é a economia, que está estagnada há mais de uma década. Para o ano em curso, o Fundo Monetário Internacional estima um crescimento de 0,1% - totalmente insuficiente para enfrentar os principais desafios, como o desemprego, a desigualdade e a pobreza, diz Singh.
As falhas no fornecimento de energia eléctrica têm mantido a economia refém durante anos, afirma. A prioridade, segundo o investigador, é combater a corrupção, inclusive no ANC.
O abuso de poder do seu antecessor, Zuma, levou ao colapso de muitas empresas públicas, agências e instituições importantes, acrescenta o analista. "Ramaphosa tentou abordar estas questões nos últimos anos, mas simplesmente não foi suficientemente longe".
Decisões difíceis
De acordo com Singh, os eleitores esperam que o Presidente tome algumas decisões difíceis por sua iniciativa para reanimar a economia - indo além do Comité Executivo Nacional do ANC. "A maioria dos sul-africanos está a pensar se conseguiremos manter a nossa frágil ordem democrática ou se cairemos e a África do Sul implodirá", alerta.
O investigador afirma que o país gostaria de ver uma reviravolta a fim de garantir um futuro para a próxima geração. Dimakatso Ragedi, em Cosmo City, também quer um novo poder político, uma vida mais estável para a sua filha de dez anos: "Esperamos uma mudança".