Quénia: Contracetivos por chatbot
30 de julho de 2019No final da época de exames no Quénia no ano passado, as manchetes dos jornais não eram sobre a dificuldade dos testes de matemática, mas sobre o número recorde de estudantes finalistas grávidas. Várias jovens passaram a época de exames no hospital, informou a imprensa nacional.
Na conservadora sociedade queniana, quase ninguém fala sobre sexo e contraceção, especialmente com adolescentes. É claro que isso não os impede de ter relações sexuais e, portanto, existe um grande problema de gravidezes indesejadas.
A organização não-governamental (ONG) holandesa Triggerise criou um programa que aconselha e distribui contracetivos gratuitos a meninas entre os 15 e os 19 anos, em várias cidades do Quénia. Mais de 250.000 pessoas já utilizaram este serviço.
Vários métodos contracetivos
Esther Mutheu tem 18 anos e já tem um filho. Para já, não quer ter outra criança. "Fui abordada na rua e contaram-me sobre o programa. Depois enviaram-me para uma clínica que faz controlos de natalidade gratuitos", conta.
Juntamente com a amiga Ann Ndinda, de 19 anos, que também tem um filho pequeno, Esther Mutheu está sentada na sala de espera de uma pequena clínica em Huruma, um bairro de lata em Nairobi. Ouvem ambas as explicações de Caroline Nasser. "Temos quatro tipos diferentes de contracetivos: espiral [dispositivo intrauterino], implantes hormonais para três ou cinco anos, pílula e injeção anticoncepcional. Se não toleram bem a terapia hormonal, recomendo a espiral."
Caroline Nasser está habituada a falar com jovens na rua, a quem dá conselhos sobre questões de saúde sexual e contracetivos. E também lhes explica como funciona o chatbot, um programa automático de diálogo via Messenger ou SMS.
"Escrevam a palavra Afya e enviem para o número 22699", explica Nasser. "Afya" significa saúde em suaíli. Depois, o chatbot quer saber a idade, o sexo, o local de residência e, em seguida, envia o endereço da clínica parceira mais próxima. No local, as meninas têm direito a uma consulta gratuita e, se for necessário, serão tratadas. Toda a equipa recebe formação para atender as jovens de forma cordial e imparcial.
Medo da condenação social
Muitas jovens no Quénia precisam urgentemente de programas como este. O sistema de saúde queniano tem muitas lacunas, especialmente no campo da saúde sexual. É por isso que há cada vez mais organizações privadas a unir-se e a desenvolver soluções com base em inovações técnicas.
"O Ministério da Saúde apoia o nosso trabalho e sabe o impacto que as gravidezes adolescentes e os abortos ilegais têm nas meninas daqui", diz Nathalie-Ann Donjon, da ONG Triggerise.
Já com o Ministério da Educação o trabalho é muito difícil. Segundo Donjon, alguns políticos receavam que as meninas se "perdessem" por causa do acesso aos contracetivos.
Muitas jovens têm medo da condenação social. Por isso, a Triggerise também oferece um serviço de aconselhamento discreto via Facebook Messenger e que em breve também estará disponível por Whatsapp - com uma enfermeira formada especialmente para isso.
Pedidos de aborto caíram drasticamente
Para incentivar as adolescentes, a Triggerise também criou um sistema de recompensas. "Nós chamamos-lhes Tiko-Milhas. A ideia veio das milhas de bonificação das companhias aéreas. Depois do tratamento, o chatbot envia milhas para os telemóveis das meninas, que elas podem usar em drogarias, padarias ou talhos", explica Spins Ngugi, que coordena os funcionários da Triggerise que trabalham nas ruas.
O conceito tem funcionado. Por dia, cerca de 50 meninas aparecem na pequena clínica em Huruma para uma consulta ou para receber contracetivos gratuitos. No ano passado, por mês, cerca de 20 jovens pediram para fazer um aborto seguro no hospital. Hoje, a média é de apenas cinco pedidos por mês.
Recentemente, o número de milhas da Triggerise teve de ser reduzido de 100 para 50 por tratamento. "Já excedemos a nossa meta de tratamento", afirma Spins Ngugi. "Infelizmente, tivemos de reduzir as milhas para podermos continuar o serviço e não exceder o nosso orçamento." A Triggerise é financiada principalmente pela Fundação CIFF (The Children's Investment Fund).
Esta reportagem contou com o apoio do projeto "Money Trail" da organização Journalismfund.eu. Qian Sun, Anthony Langat e Jacob Kushner também participaram na redação deste artigo.