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Quais as implicações de uma entrada dos EUA em Cabo Delgado?

18 de agosto de 2020

"Para os moçambicanos e para região seria um sinal claro de que os americanos estão interessados em Nacala. Este é um ponto estratégico interessante e seria um local de projeção de força para Cabo Delgado e para África".

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Symbolbild: USS Normandy
Foto ilustrativaFoto: picture-alliance/dpa/K. Desplenter

Os Estados Unidos da América têm acompanhado com atenção os ataques armados no norte de Moçambique. Alguns setores falam até na possibilidade da entrada de algumas empresas norte-americanas, na área de consultoria, em Cabo Delgado.

É sabido que os EUA têm tomado a dianteira na luta contra o terrorismo à escala mundial. Mas Raúl Pires, especialista nos PALOP com influência islâmica, não acredita que as tropas norte-americanas intervenham em África num futuro breve, sobretudo com as eleições presidenciais à porta.

Em entrevista à DW África, o especialista identificou ainda o motivo da hesitação sul-africana em apoiar militarmente Moçambique.

DW África: Fala-se de uma possível participação da RMGS e Crisis Response Co, dos EUA, que devem recrutar um consultor de estratégia para ajudar Moçambique a combater os insurgentes. Há algum risco de buscar o apoio baseado em relações bilaterais?

Raúl Pires (RP): Relativamente aos americanos, fala-se bastante há muitos anos – e isto é um debate que existe dentro dos próprios EUA – a questão do AFRICON, de se instalar uma base central americana que tome só conta do continente africano. Os próprios americanos dizem que isto é bluff, que estão sempre a jogar com os africanos para ver quem é que dá mais.  E que essa base não vai ser instalada nunca nem em local algum. E agora com esta administração Trump, com os problemas internos americanos e com a tentativa de adiamento das eleições, creio que não será este o momento mais propício. Até porque se pudessem intervir de forma mais aberta em algum cenário seria o da Líbia e não o de Moçambique.

Raul Pires - Forschungsexperte für Nordafrika und Terrorismus
Foto: Privat

Mas de qualquer maneira, os EUA têm a vantagem de não serem uma potência ex-colonizadora em África. É também a [potência] melhor equipada e a que terá mais recursos financeiros. Essas funções não (lhes) são estranhas nem são fora da caixa. Se acarretam riscos? Com certeza que acarretam riscos, mas isso é inerente à ação humana e à guerra.

DW África: E quais seriam as implicações de uma entrada norte-americana em Cabo Delgado?

RP: Para já para os moçambicanos e para toda a região iria dar um sinal claro de que os americanos estão interessados em Nacala. E aí voltamos à conversa se há a possibilidade de interesse de estabelecer um quartel-general americano em África. Nacala é, de facto, um ponto estratégico muito interessante e que seria um local de projeção de força não só para Cabo Delgado mas também para África. E haveria ali um certo controlo índico que se estenderia depois até lá acima ao mar vermelho. Não tem sido notícia, mas a questão dos piratas no mar vermelho é assunto que continua a dar cartas aos militares da região da Somália. Portanto, penso que, em primeiro lugar e fundamentalmente, esta seria a grande implicância que um apoio americano teria em Cabo Delgado. Seria logo colocar [Moçambique] na cala do mapa internacional como um forte pretendente a ser a base dos americanos em África.

DW África: Durante muito tempo a África do Sul terá hesitado em apoiar militarmente Moçambique. Entretanto, as últimas notícias dão conta de que este país está a preparar as suas forças para intervir em Moçambique, apesar de Maputo ainda não ter acionado esse pedido. O que é que, na sua sua opinião, terá ditado essa hesitação de Pretória?

RP: Eu creio que a hesitação de Pretória tem sobretudo a ver com um assunto que também não é falado que é o estado da operacionalidade e de saúde das tropas sul-africanas. O HIV mais do que uma pandemia é uma catástrofe que continua a grassar em África. E as fileiras sul-africanas são, de facto, das tropas africanas as que mais sentiram com a infeção dessa doença.

Portanto, eu creio que fundamentalmente a hesitação de Pretória tem muito a ver com o estado de operacionalidade das suas próprias tropas. E também com a situação atual interna na África do Sul que também não permite grandes desvios internacionalistas porque está focada nos seus problemas crescentes e permanentes e não pode baixar a guarda dentro das suas próprias fronteiras. E depois também tem a ver com um passado relativamente próximo em que há feridas e nódoas que ainda não sararam.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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