Que ganhos da aproximação Paris-Pretória para Cabo Delgado?
4 de junho de 2021Na sua visita à África do Sul, na última semana, o Presidente de França, Emmanuel Macron, levava o terrorismo em Cabo Delgado como uma das principais preocupações a debater com o seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa.
Tanto um como outro parecem não ter conseguido convencer o Presidente Filipe Nyusi a baixar a guarda e a aceitar uma intervenção militar externa no norte de Moçambique. Nyusi reuniu-se com Macron à margem da cimeira França-África, a 18 de maio, mas daí nada saiu de concreto. Também no contexto da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), depois do encontro de Paris, a possibilidade de uma intervenção regional continuou no papel.
A aproximação de Paris a Pretória visa uma conjugação de esforços para convencer Maputo a aceitar ajuda militar externa?
O alemão André Thomashausen, especialista em direito internacional residente na África do Sul, opina: "Penso que diplomaticamente vão continuar alguns contactos e esforços, porque parece ser a posição, especialmente da África do Sul, de que deveria haver uma intervenção militar para evitar o escalar e o alastramento da situação para o resto da região, inclusive para a África do Sul."
Mas o académico acredita que "essa posição tipicamente sul-africana já não tem um apoio por parte da França. A França, através da sua inteligência, tem consciência de que os efetivos da África do Sul são muito limitados."
Melhorias na segurança graças aos EUA permitirão regresso da Total?
Contudo, Cyril Ramaphosa, no contexto da visita de Emmanuel Macron, fez uma gentileza ao seu vizinho da direita ao repetir a posição de Maputo: qualquer apoio só no âmbito de uma relação bilateral, enquanto Estados soberanos.
É um jogo de charme entre França e Moçambique em que a África do Sul parece já ter escolhido o lado que quer apadrinhar. Sobre a aproximação Paris-Pretória com vista a alteração do status quo em Cabo Delgado, Joseph Hanlon, pesquisador norte-americano a residir na Inglaterra, afirma que "nada está claro. Mas a Total disse que não vai regressar até haver paz e uma segurança séria, pelo menos no norte de Cabo Delgado".
Hanlon desconfia que "a França provavelmente vai dar apoio naval, mas Moçambique e parte dos que apoiam a FRELIMO não querem um número grande de tropas estrangeiras em Cabo Delgado."
E Thomashausen lembra que "quem decide é o Governo de Moçambique, porque é um país soberano e vai determinar o que vai acontecer em Cabo Delgado."
Enquanto o braço de ferro persiste, o projeto de gás da petrolífera francesa, com que Moçambique sonha para sair do sufoco e pagar as suas dívidas, continua em banho-maria.
Mas para permanecer em pé, mesmo que só com uma perna, o país conta com um parceiro de luxo: os EUA.
O académico alemão afirma que "Moçambique está bastante satisfeito com a contribuição dos EUA" e lembra que já foi completado um primeiro curso de formação de uma brigada de especialistas contra o terrorismo e está em vias de começar o segundo curso.
Thomashausen conta também que "os EUA convidaram o ministro da Defesa [Jaime Bessa] Neto para Washington, em junho, e parece que vai haver um reforço da cooperação" para a segurança.
"Não devemos esquecer que a Total é uma empresa controlada por acionistas americanos", lembra André Thomashausen, "mais de 75% do total social da Total é detido por fundos e investidores americanos."
Paciência da SADC no limite?
A África do Sul e os outros membros da SADC, apesar dos laços de sangue que os unem a Moçambique e de serem na sua essência contrários a intervenções militares estrangeiras na região, dão sinais de estarem a ficar desgastados com o finca-pé de Maputo.
A chefe da diplomacia sul-africana, Naledi Pandor, manifestou a intenção de levar o caso do terrorismo em Cabo Delgado a ONU, em setembro, e de apelar para uma intervenção militar externa.
Para comentar o endurecimento de Pretória, o pesquisador Joseph Hanlon prefere questionar, antes de mais, os pressupostos sobre a origem do terrorismo no norte de Moçambique.
"De momento não há evidências de que o Estado Islâmico e a radicalização tenham um efeito na guerra em Cabo Delgado. Não há evidências de que a guerra se esteja a alastrar para fora da área onde começou há quatro anos. E, se o conflito se alastrar, será para os vizinhos, as províncias mais populosas."