Primeiro-ministro e presidente interino continuam desaparecidos após intervenção militar em Bissau
13 de abril de 2012
Aparentemente, a situação na Guiné-Bissau estava mais calma na manhã desta sexta-feira (13.04), depois de ter sido palco, na noite anterior, de uma intervenção militar de contornos ainda indefinidos e que foi definida pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da CEDEAO (Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental) como uma "tentativa de golpe de Estado".
Portugal pediu o retorno à legalidade na Guiné-Bissau. O Brasil chegou a pedir uma reunião de emergência no Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir o assunto.
Em Bissau, as pessoas preferem manter-se em casa, embora algumas estejam a circular, mas com limitações impostas pelos militares que tomaram pontos estratégicos da capital, Bissau, prendendo também responsáveis políticos. Um oficial citado por agências noticiosas, que pediu anonimato, disse que tais responsáveis estariam em poder dos militares no forte de Amura, sede do Estado Maior General das Forças Armadas. O oficial não detalhou quem seriam os políticos presos.
Medo na Guiné-Bissau
Ao que tudo indica, existe um medo em dar o ponto da situação, pois não deram certo tentativas da DW África de ouvir, por telefone, membros da sociedade civil na Guiné-Bissau na manhã desta sexta-feira (13/04).
Segundo a Lusa, já não se ouviam tiros na capital desde o final da noite da quinta-feira. Algumas ruas continuam encerradas, especialmente o quarteirão onde fica a presidência da república e a residência do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior. De acordo com o blog "A ditadura do consenso", do jornalista António Aly Silva, a circulação de automóveis teria sido restabelecida no perímetro da residência de Carlos Gomes Júnior, que teria sido "completamente pilhada".
A zona onde se situa a sede do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o partido do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, estaria tranquila e deserta, segundo a Lusa. Por toda a cidade, veem-se poucas pessoas nas ruas.
O hospital Simão Mendes, único na capital Bissau, não teria registro de mortos ou feridos. O hospital teria ficado sem eletricidade durante a noite.
Intervenção militar
Militares cercaram na noite desta quinta-feira (12.04) a residência do primeiro-ministro cessante Carlos Gomes Júnior. Houve troca de tiros e disparos de artilharia pesada. Ainda não se sabe o paradeiro do chefe de governo e candidato presidencial – que, segundo a agência noticiosa France Presse, citando um agente de segurança da residência do chefe de governo, relatou que Carlos Gomes Júnior teria tentado fugir durante a confusão.
Carlos Gomes Júnior, ou "Cadogo", como também é conhecido, é igualmente candidato à segunda volta das eleições presidenciais antecipadas, marcada para 29.04. Ganhou a primeira volta com 49 por cento dos votos.
De recordar que o escrutínio foi motivado pela morte, após doença prolongada, do antigo presidente da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, em janeiro deste ano.
Também não se sabe onde está o presidente interino, Raimundo Pereira – a agência noticiosa Reuters relata que uma fonte política que pediu anonimato afirmou que soldados teriam prendido Pereira, que é antigo presidente do parlamento e também membro do partido governista PAIGC.
O palácio presidencial e as ruas adjacentes foram cercadas por um cordão de segurança instalado por militares, de acordo com a agência noticiosa France Presse. Esta agência ainda cita um testemunho de um militar que diz que os soldados estariam procurando Carlos Gomes Júnior e que, qualquer que fosse o lugar onde o primeiro-ministro se encontre, os militares deveriam encontrá-lo antes do amanhecer.
Diversas embaixadas, incluindo a de Portugal, foram cercadas por militares, de acordo com informações do embaixador de Portugal em Bissau, António Ricoca Freire. O motivo deste cerco pode ser impedir pedidos de asilo nas embaixadas.
As rádios e a televisão, que foram tomadas por cerca de dez militares no início da noite, continuam sem transmitir. Segundo a Lusa, as telecomunicações estariam funcionando na Guiné-Bissau.
Candidato reitera boicote à segunda volta
A intervenção militar aconteceu na véspera do início da campanha eleitoral para a segunda volta das eleições presidenciais antecipadas.
Na quinta-feira, Kumba Ialá, segundo colocado na primeira volta com 23 por cento, deu uma conferência de imprensa na qual voltou a defender a anulação da primeira volta por esta ter sido alegadamente fraudulenta, acusação com a qual este ex-presidente da Guiné-Bissau não está sozinho. Kumba Ialá foi apoiado por outros quatro candidatos. Ele reiterou ontem que não haverá campanha eleitoral para a segunda volta.
Instabilidade por fim da missão militar angolana?
O PAIGC, no poder, emitiu ontem um comunicado crítico em relação aos militares, que protagonizaram a tomada de pontos estratégicos na Guiné-Bissau.
No dia 18 de março, no final do dia da primeira volta das eleições presidenciais, o ex-chefe das informações militares, Samba Djaló, foi assassinado a tiro em Bissau.
Dois dias depois, António Indjai, chefe das Forças Armadas Bissau-guineenses, se reuniu com o embaixador angolano em Bissau, o general Feliciano dos Santos, e disse depois que dos Santos lhe perguntou se estava a forjar um golpe de Estado, lembra a Lusa.
De recordar que o analista Vincent Foucher, do International Crisis Group, deu entrevista esta semana à DW África dizendo que a saída da MISSANG, a missão militar angolana de apoio ao exército bissau-guineense, abriria uma fase de incertezas políticas no país.
Segundo Foucher, "há muito tempo que se fala da necessidade de uma força internacional para a Guiné-Bissau. Mas, na realidade, a MISSANG entrou em Bissau como uma alternativa a um projeto de força composta pela CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) e a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)". Tal "alternativa" teria preocupado o exército guineense, "embora finalmente esses militares tenham decidido aceitar a missão que não é uma força de manutenção da paz mas uma missão de cooperação militar" (clique no link abaixo para ler na íntegra a análise de Vincent Foucher).
De recordar igualmente que o chefe do Estado General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, António Indjai, veio acusando nas últimas semanas a MISSANG de atuar fora do seu mandato, dizendo que a missão angolana não poderia usar armamentos pesados.
Narcotráfico
Segundo a agência noticiosa AFP, nos últimos dias, havia temores sobre atos de violência nesta ex-colônia portuguesa cuja história é marcada por vários golpes de Estado desde sua independência em 1974. A Guiné-Bissau ficou conhecida, nos últimos anos, por ter se tornado a rota fundamental do narcotráfico entre a América do Sul e a Europa.
Carlos Gomes Júnior teria provocado o descontentamento de uma parte do exército guineense, por causa das suas políticas de reforma e de redução de alguns efetivos do setor militar.
Autora: Renate Krieger (com agências Lusa/AFP/Reuters)
Edição: Johannes Beck