"Autoridades não investigam porque temem perder o poder"
22 de novembro de 2021Um "silêncio ensurdecedor" reina na Guiné-Bissau desde que Presidência da República recusou-se a esclarecer o caso de um avião suspeito que aterrou no país em outubro - sem que se saiba de quem é, que carga contém e o que fazia em Bissau.
O primeiro-ministro, Nuno Gomes, não se convenceu das explicações do Presidente Umaro Sissoco Embaló, segundo as quais mandou vir o avião no âmbito de projeto de construção de um hangar no aeroporto de Bissau.
Embaló disse que o avião pertencia a um "grupo de pessoas muito sérias, até mais sérias do que ele (Sissoco)". Mesmo assim, Nabiam mandou abrir uma investigação internacional para apurar as circunstâncias da aterragem do Airbus A-340.
Porém, a comissão especializada do Parlamento convocou, na passada sexta-feira, (19.11), o chefe de gabinete do Presidente guineense para ser ouvido. Isso, na qualidade de suspeito que deu ordens expressas ao serviço da aviação civil para deixar pousar o aparelho no solo guineense.
Entretanto, este não compareceu à sessão na sede da assembleia, tampouco justificou a sua ausência, segundo fontes parlamentares à DW.
A comissão de inquérito e o Governo guineense disse à DW que só fala sobre o assunto quando for concluída a investigação e publicado o relatório de trabalho. O deputado que denunciou que o avião aterrou sob as ordens do Presidente Sissoco teve de sair do país por vários dias, alegando que estava a ser ameaçado de morte - sem mencionar por quem.
José Carlos Macedo, que voltou a Bissau este fim-de-semana, disse à DW nesta segunda-feira (22.11) que ainda "não está em condições de gravar entrevista". Sobre o caso, a DW África falou com o jurista e analista político Fodé Mané.
DW África: Por que é que o Governo guineense, por si só, não é capaz de investigar a aterragem de um avião em seu território?
Fodé Mané: Ainda não se sabe sobre a origem do avião, mas sabemos que para chegar à Guiné-Bissau partiu da Gâmbia. Para uma investigação séria não se deveria esperar apenas pelas autoridades da Guiné-Bissau. Quanto às autoridades do país, nós já vimos que há muitas pessoas envolvidas e quando se pretende pedir algum esclarecimento, ninguém autoriza. As autoridades nacionais, que deveriam investigar, estão sob o controlo do poder político. Mas se o próprio poder político está envolvido e controla as autoridade de investigação, não se pode esperar alguma coisa. Fala-se da Interpol ou da DEA mas não há ação de investigação. O próprio Governo entendeu que não tem como investigar um caso como este.
DW África: Mas não tem condições porque está envolvido o próprio Presidente de República?
FM: Se fosse só o Presidente da República poderíamos dizer que não seria de se falar num crime transnacional, poderia ser investigado apenas aqui. Mas há indícios que mostram a complexidade da situação. Porque, primeiro, trata-se de um Airbus 340 e não é habitual termos um avião desta proporção no aeroporto da Guiné-Bissau. Um avião deste tamanho pode trazer que tipo de carga? Depois, diz-se que é um avião que já estava fora de uso. As autoridades disserem que [o avião] veio para três ou quatro dias de manutenção... Há várias coisas [para se esclarecer].
DW África: E sobre o Presidente Umaro Sissoco Embaló dizer que foi até lá porque tinha uma equipa que ia construir um hangar para aviões em Bissau...
FM: Isso não é verdade - nem para uma criança.
DW África: Como é que podemos convencer alguém de que um Estado como a Guiné-Bissau não tem capacidade interna para investigar a aterragem de um avião no seu aeroporto?
FM: Não se convence ninguém com este argumento. Eu já disse que investigar isso não é apenas uma questão técnica, de aviação. É saber se se respeita as normas, e temos polícias judiciárias capazes de fazer isso. Temos outras instituições.
DW África: Mas o ministro dos Transportes disse que a aterragem cumpriu as normas internacionais...
FM: Imagine-se... o ministro dos Transportes que foi designado o presidente de uma comissão que deve investigar, já veio antecipar as conclusões e dizer que respeitou as regras internacionais... Eu duvido que o ministro tenha conhecimento das normas internacionais. Não conhecemos. Porque não é só [o fato] de aterrar para respeitar-se as normas técnicas. Ou pediu-se autorização. Qual é a condição e quais são as informações complementares, estava registado? Portanto, há muitas coisas que não dizem respeito a apenas pedir-se autorização. Quem pediu a autorização? O gabinete da Presidencia da República? Em termos internacionais, é a forma como se faz.
DW África: Acha que há medo por parte das autoridades e não tem condições para para prosseguir com uma investigação transparente e independente?
FM: Penso que a primeira condição que é [as autoridades] não têm a condição política. E se não têm condição política é porque têm medo. Mas medo de quê? Não é do medo de investigar, mas sim de perder o poder.