Portugal: Rui Pinto regressa a tribunal com futuro "incerto"
3 de janeiro de 2023O Tribunal Central Criminal de Lisboa retoma esta quarta-feira (04.01) para as alegações finais o julgamento de Rui Pinto, no âmbito dos processos judiciais "Footbal Leaks" e "Luanda Leeks", este último a envolver altas figuras da elite angolana.
O hacker português está a ser julgado desde 4 de setembro de 2020 e é acusado de 90 crimes, entre os quais o de acesso indevido a sistemas informáticos.
Ao longo das declarações que prestou diante dos juízes, em novembro passado, Rui Pinto, de 34 anos, assumiu ser o único responsável pelas informações divulgadas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) sobre oescândalo financeiro "Luanda Leaks" , que colocou a empresária Isabel dos Santos a braços com a justiça angolana alegadamente por crimes de corrupção e branqueamento de capitais.
Sem mais explicações
Francisco Teixeira da Mota, um dos advogados de Rui Pinto, admitiu após a última audiência que, apesar da complexidade deste processo, o seu cliente já deu todas as explicações ao tribunal e ao Ministério Público (MP).
"Respondeu ponto por ponto à acusação e prestou os esclarecimentos ao Ministério Público. [Depois] entendeu que não tinha que prestar mais nem ser sujeito a mais interrogatórios - nomeadamente da parte dos advogados e dos assistentes. Porque o tribunal é uma coisa, o Ministério Público é outra", frisou.
Numa das últimas sessões de julgamento, o hacker português também assumiu ser o único denunciante responsável pelas informações que deram origem ao "Luanda Leaks". Rui Pinto confirmou, por exemplo, que extraiu documentos da Sociedade de Advogados PLMJ que, na altura, representava os interesses da empresária angolana em Portugal.
O jovem frisou que o seu interesse em "vasculhar" o site de advogados visava perceber os meandros dos negócios ilícitos da empresária angolana.
"Muitos destes processos nada tinham a ver com o "Football Leaks", mas eram processos mediáticos de interesse público", referiu perante os juízes, aludindo que "a cleptocracia angolana estava a sugar os bens do povo". As informações que extraiu foram depois entregues ao ICIJ.
Justiça portuguesa não está preparada
Em declarações à DW, o jurista Rui Verde considera que o destino de Rui Pinto é imprevisível, apesar da sua colaboração com a Justiça portuguesa.
"O futuro de Rui Pinto está nas mãos dos juízes, que têm uma lei geralmente inflexível, rígida, para aplicar. Será essencialmente uma questão de bom senso", comenta. "Obviamente que se pode ter chegado à conclusão, durante o julgamento, que ele não cometeu crime nenhum e o assunto fica resolvido por uma absolvição, ou que os crimes têm mínima gravidade e uma multa ou uma pena suspensa resolverão a questão", disse. "Se não for assim o que temos é uma confusão, porque a lei portuguesa não está preparada para estes casos", admite o jurista.
Quanto a Isabel dos Santos, o analista português tem a convicção de que a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos chegou a um fim de linha, porque tudo parece indicar que ela terá de enfrentar o processo criminal.
"As mais recentes declarações do Procurador-Geral [da República] de Angola são nesse sentido. Entraremos numa fase de extrema judicialização do processo dela. E isto quer dizer que, muito provavelmente, serão tomadas medidas judiciárias para a fazer comparecer em tribunal em Angola. Muito provavelmente sairão as acusações em breve", prevê.
Império ruiu
O académico sustenta que o império de Isabel dos Santos como empresária ruiu. Perdeu, por exemplo, a empresa UNITEL e os supermercados em Angola. Em Portugal, ainda que tenha alguns bens imobiliários como parte da sua fortuna, quase já não tem posição acionista relevante nos setores da banca, energia ou telecomunicações.
"A questão agora centrar-se-á na defesa do processo criminal que, na minha opinião, já vem com dois anos ou mais de atraso", lamenta.
Segundo Rui Verde, a filha mais velha de José Eduardo dos Santos poderá obter "um pequeno benefício" a respeito de alguns eventuais crimes, como burla, fraude fiscal ou abuso de confiança - ao abrigo da lei da amnistia ainda em discussão em Angola, a qual não abrange o branqueamento de capitais e a corrupção.
Rui Pinto, criador do "Football Leaks", está em liberdade desde 7 de agosto de 2020, devido à sua colaboração com a Polícia Judiciária (PJ).
Por razões de segurança, o jovem está sob a alçada da polícia e inserido no programa de proteção de testemunhas, em local não revelado.
Rui Pinto volta à barra do tribunal para as alegações finais, nos dias 4, 5 e 6 deste mês, e só depois disso conhecerá a sua sentença, de acordo com a Justiça portuguesa.