Primeiro-ministro português quer atrair mais imigrantes
23 de maio de 2018Em dia de trabalho, Miguel Sermão aproveita a pausa com amigos num café em Lisboa. A proposta do primeiro-ministro português, António Costa, visando atrair mais imigrantes para Portugal e que deverá ser apresentada no Congresso do Partido Socialista de 25 a 27 de maio, também é tema de conversa.
Radicado na capital há vários anos, este ator angolano acredita que o país precisa, efetivamente, de mais imigrantes: "Eu começava por dizer que sim, mas depois questionava a seguir: porque precisamos de mais imigrantes se temos muita gente desempregada cá?"
E, adianta, "se o objetivo é o povoamento do interior para fazer face ao envelhecimento da população, porque não incentivar as pessoas locais ou os imigrantes que já se encontram cá a povoar essas zonas?"
Cidadãos da CPLP "às vezes abusam"
José Estevinha, português do interior a viver há mais de 50 anos em Lisboa, aceita a ideia de Portugal abrir as portas a mais imigrantes.
"Eu não sou racista, apesar de ter feito a guerra do Ultramar e ter passado lá maus bocados. Que eles são precisos, com certeza, desde que nos respeitemos todos uns aos outros. É preciso é que o país progrida. Desde que venham para trabalhar e para progredir é natural que todos fazem falta." Mas o português considera que, "simplesmente, às vezes, sente-se que os cidadãos de outros países, especialmente os de língua portuguesa, abusam. Isso também derivado, possivelmente, a problemas sociais."
Envelhecimento da população
O cerne do problema está no envelhecimento da população portuguesa, sublinha Joana Gorjão Henriques, jornalista que acompanha as questões da imigração e que acaba de lançar um livro sobre racismo em Portugal.
"Os mais recentes estudos demográficos dizem justamente que nós precisamos de mais imigrantes, porque senão corremos o risco de desaparecer como população ou ser uma população cada vez mais pequenina e insignificante no mundo. A nossa população está envelhecida, o número de filhos por casal é muito pequeno e, portanto, não estamos a ter capacidade para manter o saldo demográfico atual."
Todos os estudos mostram que só através da imigração e contendo a emigração Portugal vai conseguir sobreviver como país. É esta a perspetiva do primeiro-ministro português, apesar de haver setores da sociedade relutantes à entrada de mais imigrantes.
Segundo Joana Gorjão Henriques, o discurso da direita tradicional é pela contenção das vagas da imigração. "Aliás, vê-se os argumentos usados relativamente à lei de estrangeiros", refere. A jornalista considera que "todo o discurso contra, fechando um pouco as fronteiras, vem desse medo de alteração da composição demográfica portuguesa." O que, para Henriques "é um enorme disparate, porque, além de originalmente sermos fruto de uma enorme diversidade, a diversidade - está provado - é um fator bastante positivo num país."
Cautela
Apesar de considerar um paradoxo, o novo presidente da Associação Cabo-verdiana de Lisboa acolhe positivamente a pretensão de António Costa, uma vez que Portugal é visto pelos imigrantes como porta de entrada na Europa, em busca de uma vida melhor.
Filipe Nascimento entende, no entanto, que é preciso avaliar a proposta com maior cautela e seriedade: "Há necessidade de se abordar essa questão com maior cuidado, porque não basta dizermos 'venham os imigrantes para Portugal'."
O presidente da Associação Cabo-Verdiana adverte: "Ao convidarmos os estrangeiros a virem para Portugal, há necessidade também de termos na agenda a importância de darmos condições para que seja uma receção plena, desde logo aniquilando as barreiras, as burocracias que existem [para] a efetiva integração dos imigrantes."
Nascimento afirma que, na prática, o Estado português continua a dar um tratamento desigual aos imigrantes, contrariando os princípios da Constituição no que toca aos direitos e obrigações (Artigo 15 - nº 1). Exemplo de "obstáculos clássicos", acrescenta, é que continua a haver imigrantes por legalizar em Portugal, mas também com dificuldades de acesso ao sistema de saúde por estarem indocumentados.
"E há mais barreiras. Não posso também ignorar aqui o facto de muitos estrangeiros integrados na sociedade estarem constantemente deparados com exigências do ponto de vista económico quando se dirigem à administração - estou a falar concretamente do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] –, em que há uma abordagem muito economicista face àquilo que é a necessidade de provarem que trabalham e contribuem", reconhece Nascimento.
Na sua opinião, estes e outros tratamentos não são "muito coerentes com aquilo que o atual Governo quer apresentar para atrair mais imigrantes". A Associação Cabo-verdiana faz notar que vai refletir sobre esta matéria com as outras representações de imigrantes para se apresentarem nas discussões com o Governo com uma posição comum em benefício dos seus conterrâneos.