1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Por que cadáveres são abandonados na morgue no Huambo?

José Adalberto (Huambo)
27 de fevereiro de 2022

Em Angola, citadinos do Huambo procuram compreender o abandono de cadáveres na morgue do Hospital Regional do Huambo (HGH). Antropólogo considera abandono de cadáveres "fenómeno estranho" à cultura Bantu.

https://p.dw.com/p/47fiX
 Institut für Rechtsmedizin am Universitätsklinikum Frankfurt
Foto ilustrativa.Foto: picture-alliance/dpa/A. Arnold

A notícia de um alegado abandono de cadáveres na morgue do Hospital Regional do Huambo (HGH) tem sido, nos últimos dias, motivo de conversa e reflexão dos citadinos locais, que procuram compreendem as causas associadas ao fenómeno.

A direção do Hospital Geral do Huambo (HGH) realizou, com o apoio de parceiros, no dia 12.02, a sepultura coletiva dos 31 cadáveres, dos quais seis eram recém-nascidos. Estavam abandonados há três meses na morgue daquela unidade hospitalar, para o cemitério do bairro da Alemanha.

Para entender este fenómeno, especialistas ouvidos pela DW África sugerem maior estudo da questão e salientam os fatores socioeconómicos e a falta de serviços de saúde adequados no interior das cidades como alguns factores que podem estar associados à prática, pouco comum nas comunidades locais.

Angola - Unterbringung von Särgen in Huambo
O antropólogo Miguel Quimbenze.Foto: José Adalberto/DW

Comportamento desviante

O antropólogo Miguel Quimbanze afirma estarmos diante de um comportamento desviante da tradição de África e de Angola, de forma particular, constituída, na sua maioria, pelos povos bantus, que encaram a morte como uma passagem do estado físico para o estado espiritual.

Quimbenze defende também a necessidade de um estudo sócio-cultural sobre esta prática, que caracteriza estranha "é um comportamento novo, não faz parte dos nossos usos, hábitos e costumes. Deve ser estudado com muita profundidade para sabermos de concreto o que está na base disso", disse.

O sociólogo Adilson Luassa mostrou, igualmente, surpresa com a situação. Luassa destaca a dimensão afetiva do africano, que se baseia em honrar e dignificar os mortos, culminando com a realização do funeral. "Segundo a nossa tradição, o óbito não termina enquanto não realizarmos o funeral do nosso ente querido", explica.

Angola - Unterbringung von Särgen in Huambo
A preparação dos corpos.Foto: José Adalberto/DW

Luassa associa o abandono de cadáveres nos hospitais com a situação da precaridade das famílias, sobretudo, aquelas que residem longe dos grandes centros urbanos, e defende a criação de mais servições especializados ao nível dos hospitais municipais.

"O abandono de cadáveres nos hospitais provinciais tem a ver com a precaridade que as famílias enfrentam. Há necessidade de mais serviços nos hospitais municipais", diz. "Quando acontece o pior - a morte - ficam sem saída. Alguns recorrem à boa-fé das pessoas, mas outro deixam corpo e realizam o óbito de forma simbólica", explicou.

Serviços dos hospitais

Segundo Adilson Luassa, é urgente repensar a cadeia de serviços dos hospitais, desde a província à aldeia. "Se temos ambulâncias para transportar doentes de uma comuna ao município e do município para a província, então, temos que ter também serviços para distribuir pela mesma via os cadáveres [...]. Se o estado não criar estas condições, então, o hospital deve estar em condições de realizar os funerais estes restos mortais", diz.

Angola - Unterbringung von Särgen in Huambo
Nesta imagem, uma morgue, no Huambo.Foto: José Adalberto/DW

Entretanto, sobre o caso que agora gera reflexão entre citadidos, o diretor do Hospital Geral do Huambo, Hamilton Tavares, informou que, dos corpos sepultados, dez faleceram na unidade hospitalar, e os demais foram recolhidos na via pública pelo efetivo do serviço de Investigação Criminal (SIC). 

O responsável disse ainda que, dos 31 cadáveres, 15 chegaram a ser identificados pelos familiares que, entretanto, alegaram falta de condições como uma das razões para do abando, tendo em conta os custos da realização de um funeral condigno.

O diretor revelou, por outro lado, que a morgue do hospital geral do Huambo dispõe de 27 gavetas para a conservação de igual número de corpos mas, nos últimos tempos, tem havido uma maior solicitação, atingido, muitas vezes, 50 corpos. Enfatizou também que a realização de funerais tem um custo elevados para a unidade hospitalar e que não existe qualquer rubrica financeira para cobrir os gastos, daí o recurso aos parceiros sociais.

Com exemplo, citou, na sepultura de cadáveres feita pelo governo da província, cada funeral ficou avaliado em perto de 2 milhões de kwanzas, cerca de três mil e duzentos euros.