Pedro Pires confia no processo eleitoral em Angola
16 de agosto de 2012
Pedro Pires chefia, pela primeira vez, uma missão de observação eleitoral da União Africana (UA). Será constituída por 61 elementos que deverão estar presentes em todas as províncias angolanas a acompanhar o processo eleitoral de 31 de agosto.
O antigo presidente cabo-verdiano e galardoado com o prémio Mo Ibrahim, de boa governação africana em 2011, acredita que as autoridades angolanas estão interessadas em que as eleições decorram de forma transparente e garantiu que a sua missão vai estar atenta ao processo.
A propósito da missão de observação, Pedro Pires concedeu uma entrevista à DW África.
DW África: Em que consistirá a missão de observação da União Africana nas eleições de Angola?
Pedro Pires (PP): As missões de observação da UA têm por objetivo garantir o acompanhamento do ato eleitoral e verificar as condições em que esse ato tem lugar. É uma missão de acompanhamento. No fim da missão de observação, a União Africana dará o melhor seguimento ao relatório que será feito pela missão.
DW África: Como será a presença no terreno da missão da União Africana?
PP: A missão da UA é composta por 52 observadores e mais um “staff” [ou equipa] de apoio de nove elementos. É nessa base que se poderá fazer a distribuição dos membros da missão de observação para as várias províncias. Angola tem 18 províncias, portanto 18 assembleias provinciais. E creio que teremos como referência essa divisão administrativa e, a partir dela, se fará a distribuição dos observadores.
Mas devemos ter em conta também a concentração da população. Por exemplo, Luanda tem uma população que deverá rondar um terço da população total de Angola. Portanto, [Luanda] deverá merecer, um tratamento especial. De modo que, chegando lá, depois da reunião com os membros e a equipa que apoia a missão de observação, vamos fazer o trabalho de distribuição pelas províncias e de quem vai ficar em Luanda.
DW África: Vão estar, portanto, em todas as províncias de Angola?
PP: Creio que sim. O melhor é que a missão esteja presente nas 18 províncias.
DW África: Durante quanto tempo vão estar em Angola?
PP: Pessoalmente, eu chegarei a 24 de agosto. Tenho de aproveitar a ligação aérea com Luanda, mas a missão preparatória chegará a 25 e os membros da missão chegarão a 26 deste mês. A missão terá duração de 25 de agosto a 5 de setembro.
DW África: Como pretende assegurar que estas eleições sejam livres, justas e transparentes?
PP: Vejo por trás de algumas perguntas uma posição prévia de desconfiança. Eu entendo que Angola é um Estado soberano, as suas instituições são soberanas, legítimas porque vieram de eleições também reconhecidas como legítimas. E a nós cabe-nos dar-lhes confiança. Mas está claro que fazer confiança não significa não avaliar, não fiscalizar ou não acompanhar. De modo que, eu acredito que as instituições angolanas que gerem o processo eleitoral estarão também interessadas em que as eleições sejam consideradas justas, transparentes e representativas da vontade popular. É nessa base que nós vamos agir.
A simples missão da UA, composta por 61 elementos, não vai poder fazer aquilo que alguns poderão pensar que se deve fazer. Mas eu entendo que é preciso ter em conta que vamos trabalhar, agir no quadro de um Estado soberano, com instituições soberanas e legítimas.
Nós podemos não gostar dos resultados eleitorais, isso é outra coisa. Agora, a legitimidade das eleições é que acho que não devemos pôr em causa.
Mas é preciso ter em conta que o sistema de observaçõe eleitoral é amplo. Por exemplo, há uma estimativa de cerca de três mil observadores nacionais, para além dos observadores internacionais. Certamente, as Nações Unidas e a União Europeia poderão enviar observadores, os Estados Unidos também poderão enviar observadores, não oficiais mas oficiosos, no quadro das suas instituições que acompanham as eleições em África.
É todo esse sistema de observação e de avaliação que nos vai permitir dizer se sim [se as eleições decorreram de forma justa] ou não.
DW África: Como se poderão impedir problemas no processo eleitoral, como aquele que surgiu nas últimas eleições de 2008, quando foram impressos milhões de boletins de voto, mais dos que os que eram precisos, por parte de uma empresa espanhola?
PP: Nós não estamos encarregados da produção do material eleitoral e não nos cabe decidir sobre essa matéria. Serão outras instituições, outras instâncias que farão isso e não nós.
DW África: Como pretende assegurar que em Cabina não haverá intimidação de eleitores através da presença de soldados nas assembleias de voto?
PP: Isso trata-se de uma visão antecipada do que vai acontecer. Será assim? Eu não sei se será assim. Não podemos chegar com uma visão antecipada de que vai haver intimidação. Eu só poderei saber que há ou não intimidação se eu verificar, em todo o processo eleitoral, atos de intimidação.
Agora a questão de alguém pensar que vai haver, isso já não é problema meu nem nosso, da UA. É problema de quem tem uma posição prévia de desconfiança.
Nós vamos verificar como é que decorrem as coisas. Se houver atos de intimidação, atos de irregularidades, pressões excessivas, tudo estará no relatório para a presidente da Comissão da UA.
Porque, convenhamos, todos os atores políticos africanos ou a maioria deles estão interessados em que os seus Estados de direito sejam representativos e que as suas instituições também sejam legítimas e representativas. Não vamos partir do princípio, também, de que não há do lado dos angolanos esse desejo e aspiração.
O que nós desejamos é que as coisas corram bem.
DW África: Um partido da oposição em Angola criticou a sua nomeação para chefiar a missão de observação da UA. Isso não o incomoda?
PP: Claro que não. Porque tenho uma experiência de vida enorme, já passei por muito. Aceito quem discorde. Se esse partido discorda, é a sua opinião. Mas a questão é que eu não me candidatei a essa missão, não concorri para dirigir a missão de observação da UA. Fui convidado. Certamente que quando me convidaram consideraram que eu estou em condições de desempenhar essa função, prestigiando a própria missão de observação e prestigiando a própria UA. Portanto, eu não tenho preconceitos prévios contra quem quer que seja.
DW África: Como é que Pedro Pires, como vencedor em 2011 do prémio Mo Ibrahim, de boa governação africana, pode contribuir para um bom pleito eleitoral?
PP: Creio que o facto de eu ter sido escolhido pela UA vai nesse sentido, de pôr à frente da missão de observação alguém que conhece Angola, os dirigentes angolanos e alguém que goza de prestígio internacional. Acredito que gozo de prestígio internacional, que tenho uma imagem pública internacional vália.
Portanto eu posso, no exercício dessa missão, valorizar mais a intervenção e a presença da UA.
Certamente que a presença de outras pessoas com prestígio internacional contribuirá para que as eleições decorram num clima de serenidade, paz e entendimento.
Entretanto e segundo o correspondente da DW África em Luanda, Manuel Vieira, a campanha eleitoral está a ser marcada por casos de violência. Foram anunciadas várias detenções, um pouco por todo o país, devido a rixas entre jovens simpatizantes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o partido no poder, e da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), considerado o maior partido da oposição,
O caso mais flagrante aconteceu em Luanda. Devido a agressões, pelo menos, 10 pessoas ficaram feridas. Registaram-se detenções e desconhece-se, para já, o paradeiro de um dos jovens envolvidos.
Autor: Nélio dos Santos (Cidade da Praia)
Edição: Glória Sousa / António Rocha