Kagame: "Nova tarefa" é manter a segurança em Cabo Delgado
24 de setembro de 2021"Este é um exemplo para África em que duas forças funcionam, trabalham e, à margem, também têm outra força dos nossos amigos da região. Mas há coordenação plena que permite um grande trabalho", referiu Nyusi, ao receber o Presidente ruandês, Paul Kagame, esta sexta-feria (24.09), em Pemba.
Nyusi discursava na Base Naval da capital provincial de Cabo Delgado, onde os dois chefes de Estado saudaram as tropas dos dois países, no início de uma visita de dois dias de Kagame ao norte de Moçambique.
O Ruanda enviou em julho mil militares e polícias com equipamento e armas para a província nortenha de Cabo Delgado, sendo que no início de agosto era anunciada a reconquista de Mocímboa da Praia, vila portuária há um ano tomada por rebeldes.
Outras zonas foram sendo progressivamente libertadas, bases de insurgentes desmanteladas e civis resgatados das matas.
Nyusi agradeceu ao Ruanda a forma como as suas tropas tomaram o povo moçambicano como família, respeitando-o e apoiando humanitariamente.
Manter seguras as zonas libertadas
Paul Kagame agradeceu à força conjunta por ter conseguido libertar "as zonas que estavam nas mãos de terroristas em Cabo Delgado" e disse que outra tarefa se aproxima, discursando em suaíli, uma das línguas oficiais do Ruanda.
"Começa outra tarefa. Já conseguimos libertar aqueles sítios" onde reinava insegurança. "A tarefa que agora se vai iniciar é a de manter [seguras] as zonas já libertadas para permitir a reconstrução e o regresso das populações", afirmou o Presidente ruandês.
Os colegas moçambicanos "vão ficar à frente e mostrar como" se pode "guarnecer aquelas zonas", acrescentou.
"Temos de continuar a colaboração com os colegas moçambicanos", reiterou, sublinhando a situação de famílias que perderam tudo e precisam que a reconstrução avance, mas sem falar da extensão da missão do Ruanda ou abordar outros detalhes.
Cooperação bilateral passada em revista
Nos primeiros discursos em Pemba, o momento foi marcado sobretudo por saudações.
Sobre os "malfeitores" dispersos pela região, há que "trabalhar para não voltarem a maltratar a população", assinalou ainda Paul Kagame
O chefe de Estado ruandês deixou uma palavra para "outros países" que também estão no terreno - numa referência à missão militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) -, assinalando que o Ruanda foi um dos que recebeu a solicitação para "trabalhar em conjunto, para libertar as zonas sob controlo dos terroristas".
Paul Kagame vai participar, como convidado de honra, nas celebrações do 25 de setembro, Dia das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
Ainda em Pemba, os dois estadistas vão manter conversações oficiais para analisar a cooperação bilateral entre Moçambique e Ruanda, bem como "passar em revista assuntos de interesse comum, da região e do continente", segundo o programa hoje divulgado.
Violência continua
As forças moçambicanas e ruandesas conseguiram uma grande vitória, em agosto, quando recuperaram a cidade portuária de Mocímboa da Praia das mãos dos insurgentes. Mas os terroristas continuam a espalhar violência.
A população local e as forças de segurança relataram recentemente uma série de ataques no distrito de Quissanga, sul de Mocímboa da Praia, onde militantes teriam recuado depois que a cidade foi retomada. O último ocorreu na noite de quinta-feira (23.09) na aldeia de Lindi.
"Duas pessoas morreram e outras duas ficaram feridas", disse uma fonte não identificada da polícia esta sexta-feira, acrescentando que foram capturadas várias mulheres e meninas.
Os insurgentes também emboscaram dois autocarros que transportavam soldados naquela noite, causando pelo menos uma morte, segundo avançou um polícia de trânsito à agência AFP.
O ataque ocorreu em uma estrada principal que havia sido fechada por dois anos devido a incidentes semelhantes, e apenas recentemente reaberta após a chegada de tropas estrangeiras.
No total, pelo menos 10 pessoas foram mortas em várias regiões de Quissanga na semana passada e algumas das vítimas foram decapitadas, disseram as fontes.
Filipe Nyusi em cheque?
A consultora Eurasia considera que o sucesso das tropas do Ruanda no combate à insurgência no norte de Moçambique abre espaço para críticas dos dirigentes da FRELIMO e diminui a confiança na capacidade de Nyusi liderar as forças armadas.
"Os sucessos das forças armadas do Ruanda no combate à insurgência levanta questões sobre a liderança em Moçambique", escrevem os analistas num comentário sobre a evolução da situação no norte do país.
No documento, os analistas da Eurasia escrevem que "a rapidez com que as forças do Ruanda derrotaram os insurgentes em Cabo Delgado levou as elites dentro da Frente para a Libertação de Moçambique a questionar a capacidade do Presidente Filipe Nyusi para liderar o exército moçambicano".
Antes do envolvimento das tropas do Ruanda no combate aos insurgentes, "as tropas moçambicanas debateram-se para mitigar a insurgência e foram acusadas de cometer vários abusos".
Segundo a opinião destes analistas, "apesar de Nyusi dificilmente ser despedido, a diminuição da confiança na sua liderança pode afetar o debate sobre a sucessão dentro da FRELIMO".
O Presidente, concluem, "espera escolher o seu sucessor para evitar acusações devido ao seu provável envolvimento no julgamento sobre as dívidas escondidas", concluem os analistas.