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Opinião: A importância do desenvolvimento rural no combate a crises como o ébola

Kanayo Nwanze25 de novembro de 2014

Os impactos da crise do vírus ébola na saúde da população humana desviam a atenção de um outro perigo iminente: a fome. Quem o diz é Kanayo Nwanze, Presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola.

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Foto: DW/R.Belincanta

Não é uma surpresa que a crise do ébola na Guiné-Conacri, na Libéria e na Serra Leoa tenha captado a atenção dos média nos últimos meses. Foram já confirmadas várias mortes pelo vírus também no Mali, o que pressagia que estejamos perante um surto maior do que o calculado.

O vírus já fez mais de 14.000 infetados e provocou cerca de 5.000 mortes na região da África Ocidental. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, esta é a maior epidemia do vírus ébola de que há registo.

Mas o foco desta crise na saúde pode afastar-nos de uma outra preocupação, de uma história que não tem sido contada. Uma história que nos explica não só quem somos, mas como chegámos aqui e para onde nos dirigimos. E é uma história cujo fim ainda está por escrever.

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A Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia de ébola uma emergência de saúde pública internacional apenas em agosto de 2014Foto: picture-alliance/dpa

Mundo rural mal preparado

A proliferação do ébola está a afetar brutalmente a população das zonas rurais. E a negligência global levou os pequenos agricultores, mal equipados em termos de infraestrutura, recursos, conhecimento e capital, a lidar com situações de emergência.

É já evidente que o ébola colocou em perigo o abastecimento alimentar na África Ocidental. Várias famílias de agricultores afastaram-se da sua atividade e dos campos agrícolas com medo de contraírem o vírus. O comércio também ficou circunscrito às fronteiras de cada país devido ao medo de contágio.

A economia desta região africana está a sofrer, as reservas de alimentos estão a esgotar-se e a rutura do sistema de abastecimento de comida ameaça provocar uma segunda crise: a fome. De facto, o Programa Alimentar Mundial alertou esta semana que a insegurança alimentar afeta neste momento todas as áreas da Libéria.

Mesmo com a ação global contra a crise, a comunidade internacional deve também fazer esforços de longo prazo nos pequenos lugares onde os camponeses laboram. Mais de três quartos das pessoas mais pobres do mundo vivem em zonas rurais de países em desenvolvimento, um mundo que tem permanecido invisível aos olhos dos média e políticos ocidentais.

Estas áreas são vulneráveis a choques e crises, precisamente porque já vivem no limite, com pouco ou quase nada.

Está na altura dos países desenvolvidos, o lado visível do mundo, perceber que se mantivermos a mesma conduta - a menos que as comunidades rurais se tornem mais resilientes – ficaremos circunscritos ao combate dos sintomas em detrimento da luta contra a pobreza.

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Combate à pobreza passa por um investimento global nas áreas rurais, defende o Presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento AgrícolaFoto: picture-alliance/dpa

Numa perspetiva global, precisamos das áreas rurais para a sobrevivência coletiva. São elas que fornecem a nossa comida e são elas a origem de vários recursos naturais. Há cerca de 500 milhões de pequenos agricultores no mundo que fornecem quatro quintos da oferta mundial de comida no mundo em desenvolvimento.

Estamos agora a assistir à voracidade da doença e ao quão rápido esta pode por essa oferta sob ameaça.

Do mundo rural, para o global

Numa era global, não podemos tratar as áreas rurais como se elas fossem invisíveis. Alguém que duvide disto só precisa de olhar para a trajetória do vírus ébola. Enquanto o surto afetou áreas remotas da África Ocidental, praticamente não captou atenção. Porém, os vírus não respeitam fronteiras provinciais ou nacionais e por isso a epidemia espalhou-se com rapidez, ultrapassando os limites rurais e atingindo as zonas urbanas. E com o aparecimento de casos de ébola já confirmados na Europa e nos Estados Unidos, o mundo estremeceu.

Mas esta história não tem de terminar em tragédia. Podemos quebrar o ciclo da pobreza, fome e instabilidade. Primeiro, temos de reconhecer que as áreas rurais e as cidades dependem umas das outras. Depois, temos de investir seriamente no desenvolvimento rural.

Com as devidas ferramentas e recursos, os pequenos produtores e os empresários do mundo rural podem tornar as suas comunidades em lugares prósperos, que proporcionam vidas decentes e meios de subsistência. E comunidades prósperas são o motor da estabilidade global.

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Primeiro caso de infeção pelo vírus ébola fora de África aconteceu em Espanha, o que fortaleceu a ação mundial no combate ao vírusFoto: picture-alliance/dpa/A. Diaz

Eu assisti a isso, com os meus próprios olhos, em visitas de campo a projetos financiados pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (IFAD) e por outros parceiros.

Boas estradas, eletricidade, água potável, bancos, escolas e postos de saúde melhorariam substancialmente a vida dos três mil milhões de pessoas que vivem nas zonas rurais. De facto, se África Ocidental tivesse zonas rurais mais desenvolvidas, dificilmente a epidemia do ébola chegaria onde chegou, sem qualquer controlo aparente.

Investir em homens, mulheres e crianças do mundo rural é o que instituições como o IFAD fazem diariamente. Mas tem de haver um aumento sério quer nos recursos, quer na vontade política para melhorar as infraestruturas rurais, a tecnologia, os serviços financeiros, as instituições locais e tudo o resto. Os governos, as agências de desenvolvimento e o setor privado também têm um papel nisto.

Com investimento a longo prazo, podemos ultrapassar a abordagem do plano de crise para a crise, através de medidas que reduzam a pobreza de forma sustentável, garantam a segurança alimentar, promovam o desenvolvimento social e desenvolvam resiliência nas comunidades em risco.

Não só é este o caminho certo, como é do interesse de todos que tal aconteça. O nosso mundo é global. O que acontece em Monróvia, Freetown ou Conacri é sentido em Nova Iorque, Hong Kong e por aí fora.