Odebrecht é investigada por condições precárias de trabalho em Angola
9 de janeiro de 2014Ao embarcar para Angola, rumo à província de Malange, os operários brasileiros mal sabiam o que estariam por enfrentar. É o caso do serralheiro Vagner Candido da Silva, que chegou em Angola no fim de agosto de 2013 e retornou ao Brasil com febre tifóide em outubro do mesmo ano. As condições de trabalho da usina de bioenergia – uma sociedade entre a brasileira Odebrecht (40%), a angolana Damer (40%) e a petrolílera Sonangol (20%) - foram relatadas como deploráveis.
Entre as principais reclamações dos trabalhadores, que foram alvos de ações trabalhistas, de acordo com o jurista José Maria Campos Freitas, advogado a cabo de cerca de 60 processos de ex-funcionários, constam: aliciamento de mão de obra; convencimento sobre as condições de trabalho e estadia em Angola; violação do direito de ir e vir; violação da dignidade da pessoa humana; condições precárias de higiene e alimentação; ausência de banheiros na obras e condições precárias nos sanitários dos alojamentos; comércio ilegal de gêneros de primeira necessidade pessoal; trabalho ininterrupto sete dias por semana e fornecimento de água não potável.
Condições degradantes
O trabalho era o mesmo que no Brasil”, diz o ex-funcionário Vagner Candido da Silva, que atuava nas caldeiras. “Crítico mesmo era o alojamento, água e comida”, relata. Atraído pela proposta de um bom salário, promessa de uma alimentação semelhante a de seu país e a a suposta existência de um ônibus, que levaria os trabalhadores para passear uma vez por mês, o serralheiro não encontrou o que lhe fora prometido. “Era tudo sujo, salada não havia de jeito nenhum, tinha uma macarrão lá branco e sem tempeiro”, comenta. “E de mistura tinha carne de macaco, cobra e rato”, diz.
José Maria Campos Freitas relata de Araraquara, onde encontra-se uma das empresas subcontratadas pela Biocom para o projeto de seu complexo industrial, que até mesmos os passaportes dos operários foram apreendidos.
“Foi recolhido o passaporte deles quando eles chegaram em Angola e assim eles tinham impossibilidade de ir e vir. Ou seja, eles não podiam sair do serviço que se tranformou em um verdadeiro campo de concentração, segundo os relatos”.
Como não tinham autorização para deixar a obra e a oferta de água e alimentação não era adequada, um dos supervisores teria aberto uma pequena mercearia no local. “Um único saquinho de Sazon custava um real, uma coca-cola cerca de seis reias”, conta o serralheiro. Vagner relata ainda que alguns colegas da obra foram detidos sem passaporte na cidade de Cacuso, quando saíram para comprar comida.
A falta do passaparte causou ainda vários outros problemas aos trabalhadores. Para voltar ao Brasil, o serralheiro viajou cerca de oito horas com mais cinco pessoas, além das malas, até a capital angolana. “Nós fomos parados umas vinte vezes, mas nossos passaportes estavam em Luanda e nós tínhamos que ir pagando os guardas ao longo do caminho”, conta. “A gente dava dinheiro ao longo do trajeto para poder ir embora”, conclui.
Sanitários imundos ou inexistentes
Outro aspecto também bastante criticado pelos funcionários foi as condições de uso dos banheiros dos acampamentos, além da inexistência dos mesmos na obra que ficava a cerca de mil metros do local. O jurista descreve o estado das instalações e como as pessoas lidavam com o problema.
“Os banheiros eram impróprios, apesar de existirem, eram sujos, entupidos sem condição de uso e também devido à grande quantidade de trabalhadores”, diz. “Muitos deles faziam necessidades fisiológicas no mato”, completa. “Tinha muita gente lá e o banheiro não suportava”, conta Vagner da Silva. “O local transbordava de fezes por todo lado, por isso era melhor correr ao mato ou até dormir sem banho”, explica o serralheiro. Além disso, o funcionário relata ainda que apesar da existência de vasos sanitários, o esgoto dos banheiros corria a céu aberta a 20 ou 30 mestros dali.
Além disso, muitos funcionários teriam sido mandados de volta ao Brasil com agravamento de doenças por conta da medicina precária existente no local. O advogado de defesa conta que foi chamado a um ambulatório onde estavam algumas pessoas que retornaram ao Brasil acometidos por doenças, adquiridas durante o trabalho nas obras. Havia três infectados por febre tifóide, um caso de falsa medicação e um falso diagnóstico.
“E o outro porque houve um acidente do trabalho e ele veio para cá (Brasil) com diagnóstico errado e teve problemas com princípio de gangrena dos membro e etc”, relata o jurista. Depois da experiência em Angola, Vagner da Silva voltou ao Brasil, onde ficou em quarentena por cerca de 50 dias. “Achei que não conseguiria mais vir embora”, conta. “Agora quero ficar mais perto da minha família”.
Biocom nega acusações
O inquérito está agora nas mãos do procurador do Ministério Público Rafael Araújo Gomes. A Biocom, em nota, nega as acusações e afirma que desde o primeiro dia de operação do projeto em 2007, “cumpre rigorosamente as normas trabalhistas vigentes”.
A Biocom, que emprega 1.777 funcionários, sendo 1.688 angolanos e 89 brasileiros, afirma ainda que “exige em contrato que as empresas subcontratadas e fornecedores também cumpram todas as normas trabalhistas vigentes, bem como ofereçam condições de moradia, segurança, alimentação e transporte”.