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O rosto dos que mais sofrem com o terrorismo em Cabo Delgado

Adrian Kriesch
4 de março de 2021

Não há um único soldado estacionado nas ilhas Quirimbas. Biche Oliveira está preocupado com a segurança e com o destino da filha de 16 anos, raptada por insurgentes em 2020. "Eles vêm de longe e levam os nossos filhos".

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Raptada pelos insurgentes: Muanarabo Oliveira, de 16 anos, numa foto de família com o pai e a irmãFoto: Adrian Kriesch/DW

Todos os meses, o Programa Alimentar Mundial (PAM) entrega alimentos às famílias afetadas pelos ataques armados nas zonas mais perigosas de Cabo Delgado. Nas ilhas Quirimbas, a lista dos beneficiários é conferida ao pormenor uma vez por mês.

Numa longa fila, Biche Oliveira aguarda há horas pela sua vez, enquanto observa os jovens que descarregam os sacos de comida. Tira uma fotografia do bolso. "Esta é a minha filha Muanarabo", diz. A jovem de 16 anos foi raptada por terroristas em abril de 2020.

Nessa altura, os insurgentes atacaram a ilha, assassinaram dois residentes, roubaram comida e incendiaram a casa do chefe local. Trinta residentes estão desaparecidos desde o ataque, a maioria raparigas, confirma o chefe da administração local.

Um ano depois dos ataques, fora da ilha praticamente ninguém ouviu falar sobre o que se passou na aldeia sem electricidade e sem rede telefónica.

"Vamos torná-las nossas esposas"

"São pessoas más", diz Biche Oliveira, que trabalha como transportador. "Eles vêm de longe, levam os nossos filhos para longe e não dizem porquê nem o que querem. Estou triste, zangado. Não compreendo o que se passa", conta à DW. "A minha filha era estudante e andou na escola corânica. O seu sonho é ser mãe e ter a sua família".

Mosambik | Verschleppt von Islamisten | Biche Oliveira und Issa Hamissi
Biche Oliveira e Issa HamissiFoto: Adrian Kriesch/DW

Issa Hamissi presenciou o momento em que Muanarabo, a filha de Biche Oliveira, foi raptada. Os atacantes pediram ao jovem de 20 anos que rezasse para provar que era um bom muçulmano. Conta que os que não sabiam rezar foram brutalmente espancados.

"Disseram-me: vem connosco para o nosso acampamento. Iremos treinar-te, ensinar-te a disparar e fazer de ti um soldado. Mas durante o caminho, eu, mais cinco rapazes e duas raparigas conseguimos fugir", recorda o jovem.

Muanarabo não teve a mesma sorte. Hamissi recorda que a jovem, que é sua parenrte, chorou muito durante o rapto. "Os homens disseram: vamos torná-las nossas esposas."

Meio milhão de pessoas em fuga

Mais de meio milhão de pessoas já fugiram da província de Cabo Delgado - um em cada quatro habitantes. A UNICEF estima que metade são crianças. Antes da escalada da violência viviam nas Quirimbas cerca de 4000 pessoas. Agora há mais de 10.000 porque milhares de pessoas fugiram dos ataques.

Cabo Delgado: traumas de guerra, sonhos de paz

No mais recente relatório da Amnistia Internacional, divulgado na terça-feira (02.03), a organização faz sérias acusações contra o governo e as forças de segurança, incluindo a Dyck Advisory Group (DAG), uma empresa militar privada sul-africana que terá sido contratada pelo Estado.

"Os polícias espancam-nos e exigem subornos porque não temos documentos", queixa-se à DW uma deslocada de 64 anos, que vive num campo de refugiados perto da capital provincial de Pemba. A sua casa, com todos os seus pertences, foi incendiada pelos terroristas.

A DW fez vários pedidos de entrevista ao governador em Cabo Delgado, ao chefe das forças de segurança e ao Ministério da Defesa durante a investigação no terreno, mas não foi concedida uma única entrevista.

Nas Quirimbas, o povo não tem problemas com as forças de segurança porque não há nenhumas. Não há um único soldado estacionado nas ilhas. Por isso, Biche Oliveira não está apenas preocupado se voltará a ver a sua filha Muanarabo e quando. Também está preocupado com a segurança do resto da família.

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