O que significam as eleições francesas para África?
21 de abril de 2017Um tiroteio nos Campos Elísios, em Paris, levado a cabo por um francês e reivindicado pelo grupo radical Estado Islâmico, deixou um agente da polícia morto e três feridos, esta quinta-feira. O atacante foi morto pelas forças de segurança, depois de deliberadamente abrir fogo contra os polícias. Os principais candidatos às eleições presidenciais em França, marcadas para domingo, cancelaram os eventos eleitorais desta sexta-feira, o último dia de campanha. Após o ataque, a segurança nacional passou para o topo da agenda.
Durante a campanha, a saída da União Europeia, o combate ao terrorismo, a dívida, o modelo social, a reforma das instituições, a imigração e a situação da Síria foram alguns dos principais temas em debate. No entanto, numa altura em que França participa em várias intervenções militares no continente africano, África foi um assunto raras vezes mencionado. E isto não passa despercebido aos eleitores de origem africana ouvidos pela DW em Paris.
"Acabar com os ditadores" e intervir no estrangeiro
Marie, de 39 anos, é uma jurista nascida na Costa do Marfim. Ainda não decidiu em quem vai votar: hesita entre o candidato socialista Benoît Hamon e, mais à esquerda, Jean-Luc Mélenchon.
"Tenho a impressão que Mélenchon compreende um pouco melhor os mecanismos daquilo que se passa em África e fala um pouco mais disso que os outros africanos", afirma a eleitora, que acredita que o candidato da esquerda apoia uma França que "dá liberdade a África de se emancipar das mãos do antigo colonizador, sem precisar de receber instruções constantes da Europa".
Jean-Luc Mélenchon - um dos quatro favoritos nestas eleições, ao lado do conservador François Fillon e atrás da candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, e do centrista Emmanuel Macron - é provavelmente o candidato com mais propostas para África. Afirma que quer "acabar com os ditadores africanos predadores e garantir a democracia". Um apelo assinado por várias personalidades africanas - como o político da oposição burundesa Léonard Nyangoma, ou Bruno Ondo Mintsa, da coligação "Virar a página", que convida "os homens e mulheres africanos de França" a votar no ex-socialista.
Já o candidato socialista Benoît Hamon, que passou parte da infância no Senegal, mostrou-se mais vago durante a campanha. Posicionando-se a favor das operações militares francesas no estrangeiro, afirmou que pretende que "França apoie as transições com os seus parceiros em África, no Mediterrâneo e no Sahel".
A questão das intervenções militares preocupa Charles, professor de educação física de origem senegalesa a residir em Paris. Assume uma simpatia pela esquerda e explica à DW que teria apoiado uma candidatura do atual Presidente francês, François Hollande, elogiando a sua intervenção militar no estrangeiro, "por exemplo, com a intervenção no Mali". "Na República Centro-Africana, se não fosse a intervenção de Hollande, iríamos diretamente para a guerra civil", acrescenta.
África - tema polémico
Apesar de ter estado poucas vezes "na ribalta", o continente africano esteve também na origem de algumas controvérsias durante a campanha eleitoral francesa.
Em fevereiro, Emmanuel Macron, que lidera as sondagens na véspera das eleições, tocou num ponto que divide a sociedade francesa: afirmou que a colonização francesa na Argélia "foi um crime contra a humanidade", levantando uma onda de críticas dos adversários. Entretanto, tem vindo a falar num "continente irmão" e "parceiros privilegiados", sem avançar grandes detalhes.
Numa perspetiva oposta surge o candidato conservador, François Fillon, para quem "a França não é culpada de querer partilhar a sua cultura com o povo de África". O ex-primeiro-ministro, que já visitou o Níger e o Mali, quer reduzir a "imigração legal ao mínimo possível", sem, no entanto, avançar números.
Polémicas à parte, Emmanuel Macron é a escolha de Anderson, de 19 anos, que vai votar pela primeira vez nestas eleições. Filho de pais de origem congolesa e angolana, está em formação no setor bancário: "Como sou do mundo das finanças e vi que os seus argumentos se baseiam na economia...e como ele tem um passado na banca, aproximo-me dele", afirma.
Já Thomas, de 56 anos, um motorista de táxi que deixou a Costa do Marfim para viver em França, aposta em François Fillon: "França está muito endividada e ele quer reduzir o orçamento do funcionamento do Estado e eu acho que é bom reduzir o número de funcionários públicos. Ele também quer intervir na Segurança Social, pelo menos nos gastos com alguns medicamentos. É por isso que vou votar nele".
Um trunfo para Le Pen?
Na reta final da campanha para as presidenciais de domingo, Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita, causou controvérsia com uma visita ao Chade para mostrar o seu apoio às operações militares anti-terroristas francesas na região do Sahel. Encontrou-se com o Presidente Idriss Déby e esteve na base militar francesa em N'Djamena, com a oposição chadiana a condenar a visita, devido às suas políticas "racistas e xenófobas".
Le Pen capitalizou a frustração de muitos franceses com o desemprego, a imigração ou a insegurança. Antiglobalização e anti-União Europeia, propõe medidas como a saída do euro e a expulsão dos estrangeiros radicalizados. É também uma defensora assumida do colonialismo francês e foi uma das críticas mais ferozes às declarações de Macron sobre a Argélia.
Ainda assim, Le Pen posicionou-se como a candidata mais oposta às políticas "Francafrique" – um termo que se refere à manutenção da interdependência de França e das antigas colónias em África. Em nome da independência da economia francesa, chegou a propor uma política "de não-interferência" nos assuntos internos do continente africano – uma mensagem que agrada a muitos africanos.
Outras propostas
Apesar de não estarem na lista dos favoritos à vitória na primeira volta, os candidatos menos conhecidos também têm algo a dizer sobre o papel de França no continente africano.
Para os candidatos comunistas Nathalie Arthaud e Philippe Poutou, qualquer intervenção militar no estrangeiro é um ato imperialista intimamente ligado ao capitalismo. Jacques Cheminade, conhecido adepto de teorias da conspiração, promete um plano de desenvolvimento para o setor da água em África e Nicolas Dupont-Aignan, que se apresenta como "gaulista e soberanista", propõe um Plano Marshall para o continente baseado, nomeadamente, na regulação dos preços no setor agrícola.
Tudo em aberto
Segundo os analistas, o ataque nas vésperas das eleições pode tornar o resultado da primeira volta ainda mais imprevisível.
Os estudos de opinião mostram que Emmanuel Macron, do centro, continua a liderar as intenções de voto, com 24%. É seguido de perto por Marine Le Pen, da extrema-direita, com 22%. Atrás, surgem o conservador François Fillon e o candidato da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, empatados com 19% dos votos, segundo a sondagem da empresa Ipsos para a emissora "France Info".
O estudo destaca o alto nível de indecisão entre os eleitores: muitos ainda não sabem em quem vão votar e outros admitem mudar de candidato na altura de votar. Nada está decidido: tecnicamente, tal como Macron e Le Pen, Mélenchon e Fillon têm hipóteses de chegar à segunda volta das eleições, marcada para 7 de maio, caso nenhum candidato obtenha mais de 50% dos votos na primeira volta.
*com Claire-Marie Kostmann, Amien Essif e Anne-Julie Martin.