O lado racista da presença chinesa em África
19 de novembro de 2018Nos últimos anos, a China tornou-se um parceiro-chave no desenvolvimento do continente africano. Seja na construção de hospitais, estradas, estádios ou centrais de energia, o dinheiro vem principalmente do gigante asiático.
Muitos dos trabalhadores dos mega-projetos em África são cidadãos chineses que além da sua força de trabalho trazem na bagagem culturas e perspectivas políticas distintas. E isto dá origem a conflitos, com a rotina diária muitas vezes marcada pela discriminação.
A linha Madaraka Express, um projecto ferroviário no Quénia, é um dos investimentos da China no continente. Há um ano que faz a ligação entre a capital, Nairobi, e o porto de Mombasa, o maior da África Oriental. É o maior projecto de infraestrutura no Quénia, desde que se tornou independente do Reino Unido, em 1963.
No entanto, a fase de construção da linha ferroviária esteve várias vezes nas primeiras páginas dos jornais devido a alegações de racismo. Jornalistas quenianos expuseram casos de trabalhadores chineses que se recusavam a sentar-se à mesa com os colegas africanos à hora de almoço. Insultos e humilhação eram o prato do dia.
Outros valores, outras visões
A queniana Elizabeth Horlemann vê este comportamento de alguns cidadãos chineses como um fator cultural. "Não têm em consideração as diferenças culturais. São nossos convidados, mas orientam-se fortemente segundo a sua própria ideologia, causando problemas", explica a formadora intercultural, a viver na Alemanha.
Muitas vezes, os chineses trabalham sem fazer intervalos. E têm uma mentalidade hierárquica, "faz o que o chefe diz", diz Horlemann. Além disso, lembra o analista político Steve Tsang, os próprios chineses trabalham em condições precárias nos sectores mineiros e de construção civil em África - e isso também dá origem a conflitos.
O diretor do Instituto China no Centro de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres sugere que a doutrina política na China pode ter também influência: "Neste momento, o partido não está a promover o multiculturalismo. O partido comunista está a promover uma identidade chinesa, uma cultura chinesa", diz Steve Tsang.
Sanções inexistentes
A China é um dos países mais homogéneos em todo o mundo. Cerca de 92% da população pertence à etnia Han, com apenas 0,04% nascidos fora do país.
"Se és ensinado segundo uma identidade chinesa, uma civilização chinesa, uma cultura chinesa, então estás a ser levado numa direção essencialmente xenófoba", considera Tsang.
Os chineses não são apenas convidados, também trazem dinheiro, sublinha Elizabeth Horlmann. É umas das razões pelas quais o Quénia, tal como outros governos africanos, mostra relutância em agir contra os comportamentos desrespeitosos dos asiáticos. "O sentimento entre muitos quenianos não é bom. Temem que o país tenha sido vendido aos chineses", diz Horlemann.
O Governo da China, por sua vez, também não toma medidas significativas perante o racismo dos seus cidadãos. Steve Tsang não está surpreendido: "O Governo chinês preocupa-se com as relações comerciais com os governos africanos, mas não com as pessoas que têm de lidar com as consequências no seu quotidiano. Deixam essa questão para as autoridades africanas".
Atitudes enraizadas
Os trabalhadores africanos são as principais vítimas - muitas vezes, não sabem como se defender da discriminação e que meios legais têm ao seu dispor, lembra Steve Tsang. Se houvesse mais denúncias, talvez o "fator vergonha" entrasse em acção, levando os cidadãos chineses em África a ajustar a sua forma de pensar.
Um exemplo da necessidade de ajustamento está na província de Guangdong, no sul da China. Na capital, Guangzhou, vivem cerca de 16 mil africanos – a maior população negra da Ásia – e isto obrigou a China a confrontar a sua própria xenofobia. Há encontros e trocas de experiências, mas, apesar de tudo, o racismo ainda é generalizado. "Isto revela como a China lida com as minorias", diz Tsang.