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Liberdade de imprensaMoçambique

Qual é a pressa de rever a lei da comunicação em Moçambique?

22 de março de 2021

Fernando Goncalves, presidente do MISA-Moçambique, considera "estranho" que se pense em rever leis fundamentais em períodos de conflito e frisa que as novas leis da Comunicação Social devem obedecer à Constituição.

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Fernando Goncalves
Fernando Goncalves, presidente do MISA-MoçambiqueFoto: DW/L. Matias

O Governo moçambicano submeteu em dezembro passado ao Parlamento as novas propostas de alteração às leis da Comunicação Social e da Radiodifusão.

Em entrevista à DW África, o Presidente do MISA-Moçambique, Fernando Goncalves, considera "estranho" que se pense em rever leis de garantias dos direitos fundamentais [lei de imprensa], em períodos de conflitos armados no país e adverte que "isto pode ter repercussões negativas".

A violência armada em Cabo Delgado está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), os deslocados devido ao conflito no norte de Moçambique chegam a quase 700.000.

MISA-Moçambique in Maputo I MISA-Mosambik
Sede do MISA-Moçambique em MaputoFoto: DW/R. da Silva

DW África: Qual é a visão do MISA-Moçambique em relação a estas duas leis submetidas pelo Governo ao Parlamento?

Fernando Goncalves (FG): A nossa visão é que precisam de ser melhoradas. Há muitos aspetos em que se coloca sobre o jornalista a obrigatoriedade de proteger o segredo de Estado, o segredo de Justiça, o sigilo profissional e as demais garantias daqueles direitos. Nós entendemos que o ónus da salvaguarda do interesse do Estado, assim como do segredo de Justiça, não deve recair sobre os jornalistas, mas sim sobre as entidades que têm a obrigação de salvaguardar esses sigilos.

DW África: A realidade mostra que há muitas instituições que não querem divulgar informações sobre pretexto de segredo de Estado, mesmo em situações em que a lei não o prevê.

FG: Há uma lei, que é a lei do Direito à Informação, que foi aprovada em 2014, mas esta lei não está a ser aplicada na sua plenitude, porque muitas vezes evoca-se o segredo de Estado e este segredo de Estado é definido de forma muito avulsa. Qualquer funcionário público pode evocar o segredo de Estado para não dar informação.

DW África: O que tem a dizer sobre a posição de ser o próprio Estado a regular o funcionamento dos órgãos de comunicação social?

FG: Nós pensamos que isso deve ser feito pelo próprio Parlamento e é possível dando mais atribuições ao Conselho Superior da Comunicação Social, [para] que possa ser este o órgão regulador.

Mosambik IDPs in Cabo Delgado Provinz
Ataques armados na província de Cabo Delgado fizeram milhares de deslocados Foto: Alfredo Zuniga/AFP

DW África: Porquê?

FG: A questão é que estamos em sede de direitos fundamentais, liberdade e garantias fundamentais, que estão consagrados na Constituição da República. Entendemos que a regulação desses direitos é matéria, por excelência, do fórum parlamentar e não do fórum do Executivo.

DW África: Será este um recuo na liberdade de expressão e nos direitos fundamentais dos moçambicanos?

FG: Este processo de revisão da lei está a decorrer desde 2006. A questão que se coloca [tem a ver com o facto de se ter esperado] 15 anos até hoje. Qual é a pressa que se tem agora em aprovar esta lei? Não é normal rever leis dos direitos fundamentais durante um conflito armado. A mudança da legislação sobre questões que têm a ver com direitos fundamentais, como é o caso da Lei de Imprensa, pode ser muito influenciada pelo ambiente de conflito que se vive no país e isso pode ter repercussões negativas. Não estamos a dizer que não se pode rever a lei. As instituições públicas têm a obrigação e o direito de tomar a iniciativas em termos legislativos.

DW África: A proposta de Lei de Rádio e Difusão introduz muitas limitações ao exercício da profissão do jornalista, nomeadamente para os órgãos internacionais. Qual é o entendimento do MISA em relação a isso?

FG: O nosso princípio é que tudo o que a lei faz deve estar em conformidade com a Constituição da República. Se essas proibições interferem no direito do povo à informação, obviamente que estaremos na presença de um instrumento que fere a Constituição da República, e nessas circunstâncias qualquer legislação pode ser impugnada ao nível do Conselho Constitucional. Isso pode vir a acontecer caso esse pacote legislativo, em algum aspeto, ferir a Constituição da República.

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