Projeto leva arte e lazer a jovens de São Tomé
11 de abril de 2012Difícil pensar em capoeira, sem pensar em música, sem pensar em berimbau. Ele é considerado o instrumento mais importante da Capoeira. Dá ritmo ao jogo e comanda o toque a ser executado.
"Ele vê o som, ele manda poesia, o berimbau na verdade é o papel principal da roda de capoeira. A gente até pode fazer uma roda de capoeira para brincar, mas pelo lado histórico da capoeira, não se pode fazer uma roda sem berimbau", explica Dener Dias de Sousa.
Na capoeira Dener, é conhecido como professor Marrecão. Ele mora na cidade de Teresina, na província de Piauí, no Norte do Brasil, mas desde o início do mês de março está em África, realizando um sonho: viajar para o continente africano para ensinar a capoeira.
Dener é um dos dezesseis professores e mestres que participaram até agora do projeto "Capoeira: formação técnico-profissional e cidadania", da Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores, em parceria com o Centro Cultural de Capoeira Raízes do Brasil.
"Capoeira é alegria"
O projeto está sendo desenvolvido na cidade de São Tomé, em São Tomé e Príncipe. Tem mudado o estilo de vida de muitos jovens, como Maykel Ribeiro Furtado, de 23 anos, que chega a ficar sem palavras ao falar da arte que pratica há 11 anos: “Nem dá pra falar. Eu fico muito emocionado por tudo, pelo jogo, pelo som, por ver o sorriso no rosto de todos. Esquecemos de todos os problemas, mesmo se estivermos doentes, cansados, exaustos, sem vontade até de treinar, mas depois de uma roda de capoeira, esquecemos tudo, doença, tudo". E completa ainda. "Capoeira é alegria, não consigo viver sem capoeira, nunca".
Com o projeto Maykel, ou professor Vento, aprendeu as técnicas do jogo e agora repassa para crianças, jovens e adultos de uma escola de São Tomé. Antes o conhecimento era baseado em livros e internet.
"Agora estou com mais capacidade e posso notar que a forma que eu jogava capoeira antigamente, não é a forma que eu jogo agora", diz Maykel. "Porque agora posso jogar com qualquer capoeirista, em qualquer país, em qualquer lugar, com o que aprendi com o grupo Raízes do Brasil".
O caminho para a profissionalização
Desde abril de 2011 já foram beneficiados mais de 200 crianças e jovens de São Tomé. As aulas são ministradas por professores e mestres de capoeira do grupo Raízes do Brasil, que foi criado há trinta anos.
O projeto na capital de São Tomé e Príncipe surgiu pela necessidade de levar a técnica aos praticantes da cidade, que começaram a se envolver sem instrução, com muito pouco conhecimento, mas já tinham muito amor pela arte.
Segundo Anna Cristina Bittencourt Pérez, da Agência Brasileira de Cooperação, o objetivo é formar cidadãos e ajudar na inclusão social: "Com o projeto eles tem uma integração social, respeito um pelo outro, disciplina... Temas que são importantes nessa faixa etária, como a questão da higiene, a participação no país, a colaboração na comunidade e a questão de doenças."
A analista de projetos lembra ainda que a capoeira serve também como uma atividade de lazer, já que em São Tomé: "É uma ocupação do tempo livre, em situações que são críticas, que muitas vezes faltam perspectivas de trabalho, não tem atividades e nem horizontes para os jovens", explica Anna Cristina Bittencourt Pérez. "Então o projeto busca trabalhar tudo isso, além da formação profissional. Alguns estão sendo formados como profissionais e já começam a ter uma renda com a capoeira".
Valorização da auto-estima
A cada três meses, um novo professor brasileiro vai a São Tomé para ensinar a arte a crianças e jovens. O mestre Ralil Salomão, fundador e presidente do Centro Cultural de Capoeira Raízes do Brasil já esteve quatro vezes na cidade e conta que a capoeira tem mudado muito na vida dos jovens da cidade: "No dia 29 de fevereiro, nós fizemos o primeiro batizado do projeto, onde o capoeirista recebe a sua primeira corda. E no teatro tinham mais de 200 jovens praticantes recebendo essa graduação". Além disso, conta Ralil Salomão, fizeram um show com a participação de todos os graduados de São Tomé. "Lá eles puderam sentir que podem ser algo mais. Se sentiram valorizados, com a auto-estima bastante alta, porque não existe esta auto estima elevada lá."
Manifestação artístico-cultural é reconhecida
Agora quem está em contato direto com os jovens de São Tomé, é Dener Dias de Sousa, ou professor Marrecão. Ele ressalta que com o projeto, a manifestação artístico-cultural na cidade começou a ser vista de outra maneira, porque antes não era bem-vinda: "Eles comentam que muitas instituições não apoiavam, até conseguir um local para administrar essas aulas era complicado. Mas com a vinda desse projeto, eles viram todo mundo dando valor ao esporte”.
Wilson Rocha Ribeiro, ou Wipipo, de 28 anos é um dos alunos e cada dia mostra que tem mais vontade de aprender. Há 15 anos ele tem a capoeira como uma paixão, e que agora virou profissão: "A capoeira faz bem pra minha alma. De vez em quando, chego em casa e não tenho nada pra fazer. Aí ela me distrai." Wilson Rocha Ribeiro diz que é principalmente a música e o toque do berimbau, que lhe fazem bem. "Se não fosse a capoeira, eu não sei o que seria da minha vida. Porque hoje a capoeira é minha profissão, é dela que eu vivo".
Wipipo é professor de 80 jovens e também de adultos da comunidade de São João da Vargem, em São Tomé. Ele conta ainda que participar das aulas ajudou além de adquirir técnicas, a ter uniformes e instrumentos.
Levar a capoeira à Guiné-Bissau
O projeto em São Tomé segue até 2014. Mas a intenção da Agência Brasileira de Cooperação é que a capoeira ajude na inclusão social de mais crianças e jovens de África. A Guiné-Bissau pode ser o segundo país de língua portuguesa a receber o projeto.
"Durante uma missão de prospecção para ver a possibilidade de espaço, de demanda e também para conhecer as autoridades de Guiné-Bissau, nós tivemos uma apresentação com duas mil pessoas assistindo. A procura lá é muito grande, muitos jovens estão interessados e ficaram super receptivos", finaliza Anna Cristina Pérez da Agência Brasileira de Cooperação.
Autora: Sabine Weiler
Edição: Johannes Beck