"Nova proposta de repatriamento pode afetar figuras do MPLA"
26 de outubro de 2018O Executivo angolano concluiu esta quinta-feira (25.10) a proposta de lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens. O texto a ser enviado ao Parlamento autoriza o Governo de Angola a repatriar coercivamente capitais adquiridos no exterior, tanto de forma legal quanto ilegal, e também abrange bens móveis.
Em entrevista à DW África, o jurista angolano Albano Pedro diz que a proposta pode atingir figuras importantes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder. "A questão que se coloca é se o Estado angolano terá coragem de forçar essas pessoas a repatriar os valores coercivamente", disse.
Por outro lado, cidadãos que enriqueceram de forma legal também poderão ter bens confiscados, de acordo com a proposta. O analista defende ainda que a medida deve ser melhor equilibrada para não gerar insatisfação entre os angolanos.
DW África: Quais são as diferenças entre a nova proposta e a atual Lei de Repatriamento de Capitais?
Albano Pedro (AP): A lei anterior não apresentava nenhuma vantagem para o Estado angolano. Dizia que era necessário que o repatriamento beneficiasse o próprio titular da conta, portanto, o dinheiro era transferido para Angola, mas mantendo a titularidade da pessoa que beneficiou da transferência ilícita do dinheiro. Entretanto, a nova lei vem alterar essa situação para dar oportunidade ao Estado de obter alguma vantagem. Para além de forçar o repatriamento dos capitais, a nova lei diz que os imóveis, os bens e os direitos que foram adquiridos com esses dinheiros ilícitos fora passem a pertencer ao Estado angolano. No fundo, é uma proposta para dividir o mal pelas aldeias. Portanto, o Estado ganha alguma coisa. É a filosofia que a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o partido da oposição, tinha apresentado inicialmente, que passava por o Estado angolano e os particulares visados pela Lei de Repatriamento de Capitais dividirem os meios financeiros ilicitamente transferidos ao exterior. Entretanto, o MPLA recua no sentido de criar alguma brecha para que o Estado angolano tenha, de facto, a oportunidade de obter alguma vantagem.
DW África: E será que essa medida poderá enquadrar as figuras ligadas ao partido no poder?
AP: Pela natureza dos meios em causa, que são dinheiros do Estado transferidos ilicitamente para o exterior, dinheiros esses que foram geridos na maior parte por gestores públicos, dá para ver que no fundamental essa lei efetivamente visa as figuras ligadas ao poder. Agora, a grande questão que se coloca é se efetivamente o Estado angolano terá coragem de forçar essas pessoas a repatriar os valores coercitivamente. Estamos à espera, porque sabemos que boa parte dessas pessoas está ligada ao poder. Estando ligadas ao poder, teremos então aquela figura caricata de ladrão que caça ladrão. E, portanto, não sei se moralmente isso funciona. Foi dado um ultimato. O Presidente João Lourenço, no seu último discurso à nação, disse que essa lei tem um prazo. Quem não quiser repatriar voluntariamente até dezembro será coercivamente forçado a repatriar. Então vamos ver se vai funcionar ou não. Eu estou um pouco cético quanto a isso.
DW África: Haverá tempo para a nova lei entrar em vigor já no início de 2019? Acredita que essa proposta será aprovada em breve pelo Parlamento angolano?
AP: Penso que nada impede que ocorra, porque trata-se de uma proposta do Executivo, que tem a maioria parlamentar do MPLA. Logo, é uma questão de o MPLA propôr e logo nas primeiras sessões parlamentares ser aprovado. Também nada impede que seja votado numa sessão parlamentar extraordinária. Se há urgência nisso, eu acredito que pode ocorrer ainda mesmo antes de fechar este ano. Tudo depende da urgência que o Governo angolano tiver.
DW África: A lei faz referência a "bens congruentes", que são adquiridos legalmente, e a "bens incongruentes", que seriam resultantes de enriquecimento ilícito. Qual é a diferença entre esses dois casos?
AP: A lei, de facto, fala na possibilidade de repatriamento de capitais lícitos, capitais que foram obtidos normalmente pelos angolanos que estejam no exterior, pessoas que enriqueceram cumprindo as normas legais. O Estado pode forçar um particular a executar uma ordem sua. Se o Estado entende que esses angolanos precisam trazer os seus dinheiros para dar alguma liquidez à economia angolana, isso pode ocorrer, não há problema nenhum. Os bens legais podem ser confiscados.
DW África: Então, pode-se dizer que essa proposta de lei é bem rígida?
AP: Sim, tem alguma rigidez, sobretudo para aquelas pessoas que têm um enriquecimento lícito. No fundo, está-se a chamar o patriotismo dessas pessoas para que tragam voluntariamente os dinheiros para Angola, tendo em conta que o país está a precisar de seus melhores filhos para que possa crescer. Eu percebo que essa medida tinha que ser adicional, ou seja, seria bom que esse sacrifício viesse se aqueles que enriqueceram ilicitamente fossem forçados a colocar os seus capitais cá. Se ainda assim não fosse suficiente para cobrir a demanda monetária, nesse caso, então, aí é que os angolanos de boa fé seriam chamados a prestar esse gesto. Seria naturalmente uma medida mais razoável e de alguma forma justa.
DW África: A lei, no entanto, não faz uma diferenciação.
AP: Não faz e nem cronometra. Não diz que primeiro devem ser repatriados os capitais ilícitos e depois os capitais lícitos. Portanto, essa proposta tem tudo para gerar situações de insafistação dos cidadãos.