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No Ruanda, tribunais Gacaca encerrados sob controvérsias

18 de junho de 2012

Os tribunais Gacaca surgiram em 2002 e resolveram milhões de casos referentes ao genocídio de 1994, no Ruanda. O encerramento das instituições gera polêmica entre governo e ONGs internacionais. Faltou justiça?

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Traditionelles Gacaca-Gericht zur Aufarbeitung der Genozid-Verbrechen in Ruanda http://www.flickr.com/photos/advocacy_project/3700948383/sizes/o/in/photostream/
Ruanda Gacaca GerichtFoto: CC--NC-BY-The Advocacy Project

Os tribunais Gacaca foram lançados em 2002, com a missão expressa de fazer justiça e promover a reconciliação entre a comunidade separada pelo genocídio no Ruanda. Em 1994, cerca de 800 mil pessoas, em grande parte oriundas da minoria étnica Tutsi e do grupo Hutu, foram mortas em 100 dias.

Dada a magnitude dos crimes, eram inúmeros os responsáveis envolvidos nos casos, tornando-se um verdadeiro problema conseguir julgar os autores. O ministro da Justiça ruandês, Tharcisse Karugarama, afirma que os tribunais tradicionais serviram de resposta a este desafio, resolvendo um número recorde de casos em relativamente pouco tempo.

“Duvido que haja outras jurisdições no mundo onde os tribunais tenham julgado, no espaço de 10 anos, 1,9 milhões de dossiês", diz. Segundo Karugarama, sob o sistema Gacaca, os tribunais absolveram cerca de 30% dos julgados, sentenciaram menos de 10% a penas de prisão perpétua e as outras sentenças vão dos 5 aos 25 anos.

"Se os tribunais conseguiram assegurar condenações, dar sentenças e absolver pessoas, pode dizer-se que trabalharam tão bem como qualquer outro tribunal”, afirma.

Críticos apontam deficiências

Os juízes que presidiram os processos de Gacaca foram escolhidos pelas comunidades locais, que basearam a sua escolha fundamentalmente na integridade dos indivíduos. A maioria deles não tem qualquer tipo de formação na área do direito, mas, ainda assim, foi chamada a julgar casos complexos de genocídio.

A maioria dos juízes dos tribunais Gacaca não tem formação na área do direito
A maioria dos juízes dos tribunais Gacaca não tem formação na área do direitoFoto: Simone Schlindwein

Num relatório de 2011, a ONG de Direitos Humanos Human Rights Watch (HRW) considera que esta falta de profissionalismo, conjugada com outras deficiências, impediu os tribunais de agirem de acordo com os valores internacionais de justiça. A investigadora na divisão africana da HRW, Carina Tertsakian, pensa que “foi irrealista esperar que pessoas que não tinham qualquer formação legal lidassem com estes casos".

Tertsakian apontou ainda a forma como os tribunais foram criados como sendo mais um problema. "Não havia lei para os advogados de defesa e este é outro aspecto que, do nosso ponto de vista, significa que o sistema não conseguiu atingir os padrões internacionais de justiça”, critica.

Em resposta, o ministro da Justiça do Ruanda afirma que a maioria dos crimes foi cometida abertamente, à luz do dia. "Por isso, tínhamos testemunhas directas, que diziam tu fizeste A B e C, está certo ou está errado?", revela. Tharcisse Karugarama considera não ser preciso ter estudado direito "para saber que isto é a verdade”.

Impunidade gera mais polêmica

O encerramento dos tribunais Gacaca levanta ainda uma outra questão, de acordo com a Human Rights Watch. A decisão do governo de excluir os crimes cometidos pelos soldados da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), o partido actualmente no poder, que, segundo a organização, deixou as vítimas a clamar por justiça.

ONG internacional Human Rights Watch critica exclusão dos soldados da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) dos julgamentos
ONG internacional Human Rights Watch critica exclusão dos soldados da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) dos julgamentosFoto: Deutsche Welle/Mark Caldwell

As instituições foram oficialmente extintas esta segunda-feira (18.06). O governo ruandês elogia o seu legado nos sectores da Justiça e da reconciliação nacional, considerando que o desempenho dos tribunais ultrapassou as expectativas. Prova disso, de acordo com o governo, é a actual coexistência pacífica entre as vítimas e os autores do genocídio em todo o país.

O bispo Jihn Rucyahana preside a Comissão da Unidade Nacional e Reconciliação do Ruanda e reforça a posição do governo. Para ele, uma vez que os crimes de genocídio foram cometidos aos olhos de todos, em todo o país, toda a população testemunhou essas mortes.

"Por isso, só por si, a oportunidade de falar sobre isso, partilhar testemunhos e procurar aconselhamento foi muito saudável e deu a oportunidade a alguns dos responsáveis de se arrependerem e a algumas das vítimas de perdoarem”, pondera.

Governo ruandês considera que o desempenho dos tribunais ultrapassou as expectativas
Governo ruandês considera que o desempenho dos tribunais ultrapassou as expectativasFoto: AP

Alguns observadores afirmam que a calma está a ser imposta pela mão de ferro do governo, já que milhares dos autores dos crimes escaparam para os países vizinhos, fugindo dos tribunais Gacaca, que, de acordo com a Human Rights Watch, foram, em alguns casos, usados para ajustes de contas.

Apesar dos inúmeros problemas das instituições, tanto os críticos como os apoiantes estão de acordo num ponto: os tribunais de Gacaca conseguiram feitos históricos, nomeadamente, na aproximação dos membros da comunidade ruandesa, para enfrentar em conjunto a realidade amarga do seu passado comum.

Autor: Daniel Gakuba/Maria João Pinto
Edição: Cris Vieira/Antônio Rocha


 

Encerramento dos Tribunais Gacaca - MP3-Mono