Navio com bandeira são-tomense envolvido em atos obscuros
25 de setembro de 2024São Tomé e Príncipe tem uma fraca capacidade de fiscalização para controlar a atividade de embarcações que navegam nos oceanos com a bandeira do país. Exemplo disso é o navio petroleiro "Ceris I", envolvido em julho passado numa colisão ao largo da Malásia e registado com a bandeira de São Tomé e Príncipe, usado para violar as sanções impostas ao Irão e à Rússia.
A informação foi divulgada pelo diário norte-americano Washington Post, que referiu numa das suas recentes edições que o referido navio faz parte de uma frota de petroleiros a operar fora da regulamentação internacional com o objetivo de "alimentar o apetite da China por petróleo alvo de sanções".
Segundo o jornal, em março deste ano, o "Ceres I" esteve em águas iranianas, tendo depois iniciado uma viagem para a China, "durante a qual, e em várias ocasiões, não era detetado através de frequências de rádio".
Questionado sobre o facto deste navio estar registado com a bandeira de São Tomé e Príncipe, o analista são-tomense Arzemiro dos Prazeres diz, em declarações à DW a partir de São Tomé, que "o país está metido nisto por casualidade".
Arzemiro dos Prazeres explica que a legislação são-tomense é fraca e permite a concessão de licenças a aviões ou embarcações independentemente das respetivas atividades, que, na maior parte das vezes, não são do conhecimento das autoridades nacionais.
"Infelizmente, na lei, não existem articulados que definem à priori quais são os objetivos que as embarcações que estão licenciadas não podem exercer", lamentou. "Não está legalmente definido", insiste.
Ausência de inspeção
O analista lembra que é recorrente esta prática, de embarcações estrangeiras de pavilhão ou licença são-tomense, que muitas vezes não são inspecionadas pelas autoridades competentes nacionais.
Segundo Prazeres, assim que recebem o pavilhão, as embarcações desenvolvem a sua atividade de navegação de forma livre sem qualquer controlo por parte do Estado são-tomense. "Então, acontecem casos como este", conclui.
Devido a esta fragilidade de fiscalização, o analista são-tomense Danilo Salvaterra recorda, por sua vez, o caso recente de um outro navio com avultadas quantidades de droga, apanhado com a bandeira de São Tomé e Príncipe. "E em menos de três meses temos este superpetroleiro, também com a bandeira de São Tomé e Príncipe, a desrespeitar o embargo a certos países impostos pelas Nações Unidas", afirma, para depois questionar: "Mas que país nós estamos a construir?”
Na sequência deste episódio, dias após a notícia ter saído a público, o Governo da República Democrática de São Tomé e Príncipe emitiu um comunicado, assinado pelo diretor-geral do Instituto Marítimo e Portuário (IMAP), Charles Neto.
Na nota de esclarecimento com data de 7 de setembro, o Instituto explica vagamente em que circunstância se deu a colisão ocorrida no dia 19 de julho deste ano. O documento, a que a DW teve acesso, não faz alusão a "operações duvidosas" referidas pelo Washington Post para contornar as sanções internacionais a países como o Irão e a Rússia.
Operações duvidosas
A DW tentou persistentemente uma reação junto do referido responsável, mas sem sucesso, considerando que a instituição que dirige, criada pelo Governo são-tomense, é a única com competências para celebrar acordos com empresas reconhecidas e registo de navios.
O analista Danilo Salvaterra pede mais explicações às autoridades governamentais são-tomenses e lança várias perguntas, entre as quais sobre a legitimidade dos licenciamentos atribuídos a navios do género.
"Quem passa as licenças tem conhecimento da legitimidade ou legalidade dos navios que eles autorizam ou apenas as passam por troca de favores? Quem são os que assinam esses documentos?", interroga quando abordado pela DW.
Não sendo caso único, Danilo Salvaterra questiona, por outro lado, o que ganha São Tomé e Príncipe com estas operações, "para além do descrédito como Nação?"
Arzemiro dos Prazeres responde, em declarações à DW, que os ganhos não são substanciais.
"São licenças que deveriam ser cobradas a peso de ouro", diz o ex-político, que entende que São Tomé e Príncipe deveria tirar maiores vantagens de operações desta natureza, inclusive para preservar a imagem do país.
"Ceres I" além dos limites
Arzemiro dos Prazeres lembra que, em finais do ano 2000, o Governo decidiu suspender a concessão de licenças do género "porque algumas embarcações com pavilhão são-tomense estavam envolvidas em atividades obscuras".
Perante os factos, o analista propõe a criação de um departamento governamental dentro do Instituto Marítimo e Portuário "com a competência de fiscalizar contínua e periodicamente as embarcações a quem atribui pavilhão para evitar casos como este".
De acordo com o Washington Post, o navio "Ceres I", lançado ao mar em 2011 e registado em São Tomé devido a tarifas baixas e supervisão vaga, tem estado a operar para além do limite de 15 a 20 anos que os operadores portuários impõem por razões de segurança.
Entretanto, o Instituto Marítimo e Portuário de São Tomé e Príncipe refere no seu comunicado que peritos internacionais levam a cabo uma investigação para identificar as causas da referida colisão de modo a prevenir futuros casos.
O IMAP dá conta que o relatório final da investigação em curso será publicado no site oficial da Organização Marítima Internacional (IMO).