Alemanha devolve cruz portuguesa do século XV à Namíbia
18 de maio de 2019O Museu de História Alemã, em Berlim, irá restituir à Namíbia um padrão de calcário com mais de 500 anos colocado pelo navegador português Diogo Cão, na costa central do atual território do país. A Namíbia exigia o artefato encimado por uma cruz com as armas da coroa portuguesa desde junho de 2017.
O anúncio da devolução foi feito esta sexta-feira (17.05) pela ministra da Cultura alemã, Monika Grütters. A decisão foi tomada numa reunião da direção do museu realizada esta semana. A restituição foi provocada em parte por discussões numa cimeira em 2018 no museu sobre a história do objeto. Na ocasião, discutiu-se o desejo da Alemanha de enfrentar a responsabilidade moral de seu passado colonial.
Apesar de o padrão ser originalmente europeu, Monika Grütters considerou que a devolução simboliza um "gesto de reconciliação". "A devolução do padrão sinaliza claramente o reconhecimento da necessidade de reavaliar o nosso passado colonial e trabalhar em conjunto com os países de origem dos objetos coloniais para que possamos encontrar formas construtivas de compromisso e respeito uns pelos outros", declarou a ministra.
Para Monika Grütters, a "injustiça deste período" tem sido "suprimida e esquecida há demasiado tempo" na memória cultural coletiva da Alemanha. "A restituição é uma contribuição para a reconciliação e o sentido de entendimento comum com o povo da Namíbia.
Registo do passado colonial
A decisão foi bem acolhida pelo embaixador da Namíbia na Alemanha, Andreas Guibeb. Segundo o diplomata, apenas "o confronto e a aceitação deste passado doloroso libertará os namibianos para consciente e confiantemente poderem confrontar o futuro".
"O regresso da Cruz original é um passo importante para nos reconciliarmos com o nosso passado colonial e o rastro de humilhação e injustiças sistemáticas que deixou", acrescentou.
O museu diz que, embora o objeto não seja uma obra de arte africana, destaca como "descendentes da Europa e de África podem se engajar em um diálogo que faça justiça histórica". Além disso, o objeto irá ajudar no entendimento da história da Namíbia. O presidente do Museu de História Alemã, Raphael Gross, escreveu no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung que a cruz é "um dos poucos objetos que registra a ocupação do país pelos portugueses e o lento início do domínio colonial no território da atual Namíbia".
Demarcação do território
O padrão de calcário, que tem inscrições em português e latim, foi colocado por Diogo Cão em 1486 na costa central do território que hoje corresponde à Namíbia para reclamar a sua posse por Portugal. O artefato de cerca de dois metros de altura e mais de 350 quilos deu àquela zona o nome de Cabo da Cruz. O monumento assinalava a descoberta do ponto mais meridional alcançado até então pelos europeus em África.
O objeto foi levado à Alemanha em 1893, quando a Namíbia fazia parte do império colonial alemão. O padrão entrou para a coleção do Museu de História Alemã da Alemanha Oriental em 1953, que depois da reunificação do país, passou a se chamar Museu de História Alemã. O objeto faz parte da exposição permanente do museu desde 2006.
A Namíbia foi uma colónia alemã entre 1884 e 1915. A Alemanha demorou a reconhecer plenamente os capítulos mais sombrios de seu passado colonial, mas fez esforços recentes nessa direção. Embora o Governo alemão tenha anunciado um pedido de desculpas pelo genocídio de dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças entre 1904 e 1908, o país se recusou a pagar indemnizações.