Portugal não comenta pedido da PGR sobre Manuel Vicente
18 de abril de 2017O Ministério Público português não comenta o pedido de desmentido por parte da Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola, que nega ter recebido qualquer documento da congénere portuguesa para que o vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, fosse formalmente constituído arguido e interrogado no âmbito da "Operação Fizz", relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.
Num ofício da Procuradoria angolana, citado pelo jornal português "Público" na edição desta segunda-feira (17.04), considera-se "pura falácia" as notícias sobre uma alegada carta rogatória enviada por Portugal a pedir que Manuel Vicente fosse ouvido. É neste sentido que Angola exige uma posição da PGR portuguesa, sobretudo "pelo dever moral de corrigir o que não corresponde à verdade".
O jurista português Rui Verde considera que esta "é uma mera cortina de fumo" com pretensões políticas, uma vez que a Procuradoria Geral da República portuguesa já esclareceu, em comunicado, que não tinha enviado carta rogatória, mas que apenas pediu uma informação sobre a possibilidade de entrega de Manuel Vicente para interrogatório em Portugal.
MP português nega pedido de extradição
Contactado pela DW África para comentar o pedido de desmentido da PGR angolana, o gabinete do Ministério Público português remete para um esclarecimento no portal online do Ministério, datado de 7 de abril, que diz que em nenhum momento foi pedida a extradição de Manuel Vicente.
O documento faz alusão à carta rogatória que "tinha como objeto o interrogatório e constituição na qualidade de arguido, de Manuel Domingos Vicente, vice-Presidente da República de Angola". O comunicado do Ministério Público português diz ainda que "atenta a qualidade da pessoa a interrogar, e após análise da correspondente legislação angolana, suscitaram-se sérias dúvidas sobre a viabilidade da execução da carta rogatória face ao regime de imunidade que ao mesmo é concedida pela Constituição da República de Angola".
O documento refere ainda que, no âmbito deste e de outros processos, "a cooperação judiciária internacional" entre as duas instituições (portuguesa e angolana) "processou-se no integral respeito das Convenções e Acordos internacionais a que ambos os países se vincularam, desenvolvendo-se no espírito de mútua colaboração que caracteriza as relações entre os dois Ministérios Públicos".
Em entrevista à DW África, em outubro do ano passado - quando recebeu o seu homólogo angolano em Lisboa -, Joana Marques Vidal, PRG de Portugal, sublinhou a "compreensão do funcionamento interno do Ministério Público de Angola".
"Sei que o senhor Procurador Geral da República de Angola manifesta o seu respeito pelo funcionamento do Ministério Público da República Portuguesa, independentemente das opiniões que possam ser emitidas sobre a bondade ou não das decisões respetivas. Mas todas as manifestações públicas até agora têm sido nesse sentido", explicou a procuradora.
Angola quer impedir julgamento, diz jurista
Para o professor de Direito Rui Verde, "o problema de fundo é que Angola não entrega Manuel Vicente e está no seu direito, porque a lei protege-o. Mas, por outro lado, Angola também não o pode julgar porque ele está amnistiado".
"Neste momento, estamos a discutir já uma falsa questão. Manuel Vicente nunca vai ser julgado porque foi amnistiado. Na realidade, a posição da Procuradoria Geral angolana é de impedir o julgamento de Manuel Vicente", afirma o jurista.
O jurista português sustenta que esta "é uma espécie de cortina de fumo para transformar o assunto numa mera questão política e esvaziar-lhe o sentido jurídico". O despacho do Ministério Público português, que acusou Manuel Vicente de crime de corrupção e branqueamento de capitais, contribuiu para azedar as relações político-diplomáticas entre Luanda e Lisboa.
Mas Paulo de Morais, da Frente Cívica anti-corrupção, aplaude a postura da Justiça portuguesa e aponta o dedo à forte presença angolana nas teias de negócios em Portugal para benefício particular. "Se houver um reforço da atuação da Justiça portuguesa perseguindo quem, em nome do regime angolano, anda aqui a fazer negócios inadmissíveis, quem utiliza Lisboa como plataforma para lavagem do seu capital, quem utiliza Lisboa como forma de ligação, inclusivamente a escândalos como a Lava Jato ou Mensalão que triangulam entre Luanda, Brasil e Portugal, se a Justiça portuguesa conseguir perseguir essas pessoas que utilizam Portugal, nomeadamente como porta de entrada na Europa, isso é muito positivo", sublinha.
A DW tentou ouvir Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente, que disse não estar disponível para fazer "comentários públicos" para além do que está explícito no último requerimento apresentado à Justiça portuguesa.