Moçambique: PGR debaixo da mira no caso das dívidas ocultas
5 de setembro de 2017O relatório completo da Kroll apresenta alguns detalhes das "jogadas" feitas pelas instituições envolvidas nas dívidas ocultas em Moçambique. As violações ao código comercial, indícios de sobrefaturação e a clara intenção de fazer a culpa "morrer solteira" são alguns exemplos. Conversamos com o CIP, Centro de Integridade Pública, sobre os detalhes destes pontos críticos já antes debatidos. Baltazar Fael, pesquisador desta ONG que luta por transparência e contra a corrupção, falou à DW África:
DW África: Esta espécie de ping-pong que o relatório da Kroll evidencia no caso dos 500 milhões de dólares que não se sabe aonde foram parar é propositado justamente para que não se chegue aos culpados desse negócio mal feito?
Baltazar Fael (BF): Não diria que há ping-pong, o que existe na minha óptica é muita coerência entre o que vimos no resumo do relatório e no relatório integral. Penso que no que diz respeito a esses quinhentos milhões de dólares, de facto, é preciso saber onde é que ele está e para que ele serviu. Para além dos outros problemas que o relatório tem, e que precisam de ser explicados, este é o que trás maior inquietação. Então, na minha ótica é só seguir-se as recomendações que aparecem neste documento interal e daqui procurar saber o que disse o auditor, quais são passos que devem ser seguidos e estão bem explicítos nesse relatório. E quais são as instituições que a Procuradoria Geral da República (PGR) deve demandar no sentido de buscar mais informações, mas também há recomendações de se ouvirem alguns indivíduos que estão ligados à este assunto em concreto.
DW África: Outro ponto discutido neste caso das dívidas ocultas é o facto da secreta moçambicana, o SISE, considerar este tipo de informação como classificada e até há quem compare com as outras, que se diz que não partilham esses tipo de informação. É válida essa justificação para o caso das dívidas ocultas?
BF: Essa justificação não é válida aqui e nem em nenhum país democrático. É uma forma de fugir as responsabilidades. O que sucede é que a Procuradoria Geral da República (PGR) não pode entrar em jogos políticos. Isto é um jogo político, uma espécie de defesa política o que esses atores procuram fazer. A PGR tem força bastante para obrigar estes indivíduos a revelarem as informações que são precisas. E não revelando de forma voluntária, a Procuradoria tem mecanismos de coação para levá-los a assumirem as suas responsabilidades. O que sucede no nosso país é que o setor judiciário não é tão autónomo e independente como a gente pensa. As suas competências não são exercidas de acordo com a lei. E para este processo avançar é necessária a intervenção do poder político devido ao clima de promiscuidade que existe entre o judiciário e o poder político.
DW África: Entretanto tudo isto aconteceu durante a presidência de Armando Guebuza. E o nome dele em nenhum momento é citado no relatório. Mas ele como Presidente do país terá alguma responsabilidade. A seu ver essa responsabilidade se dilui no relatório da Kroll?
BF: Penso que este é de facto um problema bastante difícil de encarar e analisar, mas o que sucede é que o relatório por si não constitui uma prova cabal do que aconteceu na contratação das dívidas, ele complementa a atividade que já devia ter sido realizada pelo Ministério Público. Portanto, o facto do nome dessa figura não aparecer citada no relatório não quer dizer que até ao final do processo não possa vir a estar inclusa como uma das pessoas investigadas.