Moçambique: "Ossufo Momade foi um erro de casting"
4 de novembro de 2019O descontentamento na Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO, o maior partido da oposição) já é de domínio público. E há quem, sem receios, já esteja a assumir as fragilidades na força política.
António Chichone é uma dessas pessoas. Em entrevista à DW África, o destacado membro da RENAMO na diáspora diz que Ossufo Momade "foi um erro de casting" e não está a conduzir o partido a bom porto. Chichone chega mesmo ao ponto de suspeitar que líder do partido tenha sido subalterno ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), nas eleições de 15 de outubro.
Por isso, pede ao Conselho Nacional da RENAMO que tome medidas urgentes para resolver os problemas internos do partido.
DW África: É facto que a RENAMO está fragmentada?
António Chichone (AC): Tenho a profunda consciência de que tem de haver coragem interna para se dizer isso. Eu não terei problema nenhum em afirmar que realmente está fragmentada.
DW África: É capaz de apontar os motivos que ditaram essa fragmentação?
AC: Primeiro, isso foi após o congresso [em janeiro de 2019]. Percebeu-se que havia o intuito de pesseguir e criar divisão interna dentro do partido. Outra questão é a da Beira, houve aquela confusão, aquela chamada desordem interna, que não foi desordem, que podia ter sido resolvida de outra forma. E vimos o resultado disso nas eleições de 15 de outubro. [Minimizaram] este problema e foram às eleições assim. Pensaram que, indo às eleições e esquecendo-se da Beira, iam ganhar simplesmente com as províncias de Nampula e Zambézia.
DW África: É capaz de dizer quem está na génese dos celeumas do partido?
AC: Temos de apontar cabeças, e pedir a cabeça do presidente do partido. E as pessoas que fazem cordão ao presidente [também] devem ser responsabilizadas por tudo isso que aconteceu, porque não se pode permitir que façam que façam coisas dessa natureza e deixem que as coisas continuem, ficando caladinhos, como se não se passasse nada.
Então, isto tem muito a ver com a perseguição que, no meu entender, está a ser perpetrada pela liderança do partido. Primeiro, após o congresso, tivemos um novo presidente eleito, é verdade. [Mas,] na minha ótica, o presidente devia ter esperado algum tempo antes de fazer mexidas radicais. Dá-me a entender que o presidente do partido está a tentar apagar o legado do presidente Dhlakama, mas não vai conseguir, porque o presidente Dhlakama foi o presidente Dhlakama, teve o seu carisma. E foi comandante em chefe das forças residuais da RENAMO e presidente da RENAMO, coisa que o presidente do partido neste momento não consegue - aglutinar as alas [desavindas]. Como é que as pessoas o vão respeitar e como vai ter o estatuto que teve o presidente Dhlakama, se ele está a criar divisão para reinar?
DW África: Acha que Ossufo Momade não tem capacidade para ser líder da RENAMO?
AC: Eu afirmo categoricamente que foi um erro de casting dos membros da RENAMO e dos delegados ao congresso terem eleito o atual presidente do partido. Foi um erro tremendo e está-se apagar caro. E ainda vou dizer mais. Sinto que, [em relação à] fraude que ocorreu, na sua forma tão aberta, desavergonhada, até parece que existe uma colaboração de quem está a liderar o partido. Houve uma passividade. A sua reação dá a entender que temos um presidente que está a ser subalterno ao partido FRELIMO, isso é inadmissível.
DW África: Então, para si, o líder da RENAMO é uma espécie de traidor?
AC: Eu não queria ir além com estas palavras de traidor, porque não tenho evidências que me clarifiquem isso. Mas a sua passividade e a sua maneira de resolver os problemas do partido leva-me a crer... e a forma [como despreza os] membros da própria instituição. Isso é inadmissível. Os membros da RENAMO não devem aceitar essa brincadeira. É tempo de chamar à razão. Apelo, neste momento, ao Conselho Nacional do partido para tomar medidas urgentes, porque, se não, teremos que responsabilizar todos os membros do Conselho Nacional por essas falhas todas.
DW África: Acha que a RENAMO está com os dias contados?
AC: Sinto muito dizer isso, mas na minha perspetiva é preciso ter muito cuidado, porque os tempos são outros.