Moçambique: Maputo prepara-se para um "Natal difícil"
21 de dezembro de 2024"Vai ser um Natal difícil porque a família está habituada às festas natalícias e de final do ano. Mas este ano há uma coisa diferente (...) Vamos passar o Natal na estrada", avisa à Lusa Bernardo Alberto, 29 anos, carregador de mercadorias, à porta do Mercado Grossista do Zimpeto, a 34 quilómetros do centro da capital moçambicana.
Em mais um verão intenso, em que o sol é escaldante, são quase 09:00 (menos duas em Lisboa) e Bernardo ainda não teve qualquer cliente, embora a azáfama típica do mercado do Zimpeto em vésperas de Natal já tenha ganhado forma, com dezenas de pessoas com produtos à cabeça, a circularem, num frenesim contagiante.
Apesar da natural preocupação de quem faz contas à vida na economia informal, dominante em Moçambique, como tantos em Maputo nos últimos dias, o pensamento de Bernardo está na posição que deverá ser lida, previsivelmente na segunda-feira, pela presidente do Conselho Constitucional, Lúcia Ribeiro, dia previsto para a proclamação dos resultados finais das eleições.
Enquanto sinais do caos que marcou os últimos meses permanecem vivos em algumas esquinas em Maputo, os dados apontam para pelo menos 130 pessoas mortas e quase 400 baleadas em confrontos entre a polícia e os manifestantes desde 21 de outubro, segundo balanço avançado pela Plataforma Eleitoral Decide, que monitoriza os processos eleitorais em Moçambique.
Precisamente em vésperas do Natal, a decisão do Conselho Constitucional será a mais esperada dos últimos meses, apontada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que lidera a contestação aos resultados eleitorais no país, como o elemento que vai determinar se Moçambique "avança para a paz ou para o caos".
"Nós estamos preparados para o `Turbo V8´ [designação adotada por Mondlane para a próxima fase das manifestações]. Estamos à espera do nosso Presidente", diz à Lusa Meneses Mateus, 32 anos, um outro carregador de mercadorias à porta do Zimpeto, com uma "vuvuzela" e uma fisga nas mãos.
Por cada saco carregado, Bernardo e Meneses levam para casa entre 10 e 50 meticais(entre 0,15 cêntimos de euro e 0,75 cêntimos), num negócio que, para ambos, é a única alternativa para "fintar o desemprego", um dos argumentos adicionados à lista das motivações para os protestos a que o país agora assiste.
"Eu estou aqui e, na verdade, não tenho trabalho [formal]. Estou a pandar [gíria popular para trabalho informal] pelo pão (...) As coisas têm de mudar", diz Meneses Mateus.
Não muito longe de Meneses, Patrícia Alberto, 52 anos, também admite que este vai ser um "Natal atípico", embora considere isso "indiferente", já que a vida foi sempre no limiar da pobreza.
"Não tenho nada, não preparei coisa alguma [para o Natal]. No dia, vamos só ficar sentados", refere Patrícia Alberto, vendedora ambulante de castanha de caju no Zimpeto.
As incógnitas marcam estes dias em Moçambique e levaram algumas pessoas a anteciparem as viagens. Foi o caso de Neima Arnaldo, 19 anos, que partiu de Maputo com destino à província de Inhambane, sul de Moçambique, para passar o Natal em família.
São sete horas de viagem de autocarro e é melhor fazer o percurso antes do "dia da confusão", afirma a jovem.
"Tenho medo destas coisas de manifestações e então decidi sair antes de Maputo, antes do dia 23", frisa Neima Arnaldo.
Moçambique vive desde 21 de outubro sucessivas paralisações e manifestações de contestação dos resultados das eleições gerais, protestos que têm culminado com confrontos entre a Polícia da República de Moçambique (PRM) e os manifestantes, liderados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) deram a vitória, com 70,67% dos votos, a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), no poder, e colocaram Venâncio Mondlane em segundo lugar, com 20,32%.