Moçambique: Manuel Chang pode ser absolvido nos EUA?
14 de julho de 2023O escândalo das dívidas ocultas já é um evento histórico em Moçambique. Após ser extraditado da África do Sul para os EUA, na quarta-feira (12.07), arrancou hoje a primeira sessão do julgamento do ex-ministro moçambicano, Manuel Chang, relativo ao escândalo que lançou o país numa crise económica sem precedentes.
Como previsto, Manuel Chang declarou-se hoje inocente num tribunal de Nova Iorque. Chang foi ministro das Finanças de Moçambique entre 2005 e 2010 terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, entre 2013 e 2014.
A acusação norte-americana diz que Chang fez parte um grupo de dirigentes corruptos moçambicanos que terão conspirado com banqueiros do Credit Suisse para garantir um empréstimo avalizado pelo Estado para projetos marítimos que nunca se concretizaram, mas que avolumaram a dívida pública moçambicana.
No EUA, durante o julgamento que arrancou hoje, o juiz negou o pedido do ex-ministro de libertação sob fiança, sob risco de fuga. Além disso, os procuradores defendem que Chang deve permanecer sob custódia porque Moçambique não tem um acordo de extradição com os EUA. Agora, qual deverá ser a estratégia de defesa de Chang no contexto norte-americano?
Borges Nhamirre (BN): A delação premiada está fora de questão porque Manuel Chang já se declarou "não culpado". Isso ficou esclarecido quando ele foi ouvido pela primeira vez pelo Tribunal. Ao declarar-se não culpado, ele decide ir para julgamento.
Agora, eu penso que a defesa dele vai usar a mesma estratégia que a defesa de Jean Boustani usou, até porque membros da equipa de advogados desse fazem parte da equipa de advogados de Chang. Precisamente, os advogados moçambicanos.
Eu penso que eles vão usar o mesmo argumento de que ele recebeu dinheiro – porque é difícil dizer que não recebeu – mas vai dizer que a quantia recebida é "doação", é "política" – o que também acontece nos EUA, e em qualquer parte do mundo. Mas [poderá dizer] que nunca prejudicou ninguém, nenhum norte-americano, e nunca esteve neste país para mobilizar fundos - "não tem nada a ver com isso". Assim, tentará convencer o júri e lhe declarar não culpado, e se o júri assim o fizer, é o fim da história.
DW África: Acha que estes argumentos poderiam ser aceitos?
BN: Neste momento, qualquer tentativa de adivinhar, ou prever, uma decisão seria muito arriscada. Simplesmente porque quem decide não é o Tribunal, mas são os cidadãos que residem na área de jurisdição onde o caso será julgado. [Por isso,] é muito difícil entender e prever quais serão os sentimentos daqueles cidadãos. [Porque, por exemplo,] no caso de absolvição de Jean Boustani… não significa que ele não tenha cometido os crimes.
Significa que o júri entendeu que ele é um cidadão libanês, que nunca esteve na América, vendeu barcos num país africano. Depois, viajou de férias para São Domingo, onde foi capturado pelo FBI [a polícia federal norte-americana] e mandado para os EUA e diz: "mas os EUA não são a polícia do mundo". Eu penso que essa estratégia pode funcionar para Chang.
Outra coisa que, penso, vai funcionar, é que Chang dirá que é viúvo, que perdeu a esposa e não vê os filhos há muitos anos. Além disso, que está detido há muito tempo e é doente, diabético, e passou muito mal na cadeia. Ele tentará, assim, captar a empatia do júri. Então, não sabemos. Nesta situação de julgamento decidido por júri, é preciso esperar para ver o que as pessoas dirão.
DW África: O juiz distrital considerou haver risco de fuga e negou o pedido do ex-ministro de libertação sob fiança. Há razão para temer sua fuga?
BN: Ah sim. Primeiro, ele não tem residência nos EUA. Segundo, é uma pessoa com muito dinheiro. É fácil para ele organizar uma fuga. Aliás, não é a primeira vez que lhe é negada liberdade mediante caução. Na África do Sul, já tinha pedido e foi negado pelo risco de fuga, um dos argumentos apresentados na altura.
Ele tem muito dinheiro e influência. Pode mandar emitir um passaporte a qualquer momento, até conseguir um voo particular e desaparecer. É considerado um milionário. E, só da parte dos milhões que recebeu das dívidas ocultas, era previsível, penso, que o pedido de libertação mediante caução fosse rejeitado.