Moçambique: "Há um grande desgaste do partido no poder"
20 de outubro de 2023A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) dedicou-se a manifestações pós-eleitorais, num gesto nunca visto em Moçambique. O motivo: alegada fraude eleitoral. As contestações são duradoiras, generalizadas, persistentes e em várias frentes, incluindo judiciais.
Segundo resultados distritais e provinciais intermédios divulgados pelo Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) nos últimos dias sobre 50 autarquias, a FRELIMO venceu em 49 e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro maior partido do país, na cidade da Beira.
As manifestações "pacíficas" diárias do principal partido da oposição começaram na terça-feira (17.10), em diversos pontos do país, convocadas pelo seu presidente, Ossufo Momade, que alega ter havido "fraude" nas eleições autárquicas de 11 de outubro.
O maior partido da oposição mostra que desta vez pretende ir até as últimas consequências. À DW, o sociólogo Elísio Macamo fala em "explosão de frustração" gerada pela alta expectativa de mudança e diz que a "arrogância" da FRELIMO também não ajuda.
DW África: O que se oferece dizer sobre as manifestações pós-eleitorais organizadas pela RENAMO?
Elísio Macamo (EM): Pelo tempo de resultado que houve, não estou em condições de dizer se a FRELIMO ganhou ou não. Mas há vários indícios de irregularidades e inclusivamente de fraude. Portanto, tudo isso leva a uma certa explosão de frustração. O que era de se esperar, sobretudo num contexto em que cada vez mais as instituições estão a perder credibilidade e cada vez menos os próprios atores políticos confiam nas instituições.
Num ambiente de desconfiança política, o que se pode esperar é realmente o que nós estamos a ver agora.
DW África: Disse há pouco tempo que as expetativas eram altas. É de facto isso ou a fraude atingiu níveis extremos e inaceitáveis?
EM: Esta questão é um pouco complicada porque, por um lado, penso que as expetativas eram altas e não é de agora. Há um grande desgaste do partido no poder, a FRELIMO. Há grandes problemas em praticamente todos os municípios, de modo que aquela sensação de que 'desta vez nós vamos ganhar' é muito forte. E quando isso fica gorado, naturalmente que gera muita frustração. Também é verdade que a impressão de ter havido forte fraude é muito forte. O número e os tipos de irregularidades que houve, associado à soberda de quem governa, a arrogância com que se governa, leva as pessoas a quererem que, de facto, tenha havido fraude. E isso é independente de sabermos se realmente houve fraudes ou não. Portanto, eu acho que são as duas coisas.
DW África: Seria exagero afirmar que as manifestações pós-eleitorais promovidas pela RENAMO representam um marco de mudança na postura da sociedade moçambicana?
EM: Acho que não. Pode até parecer estranho que esteja a dizer isso, mas a forma como, por exemplo, o candidato da RENAMO na Matola está a forçar a contestação agressiva e a ameaçar com violência, está na contramão daquilo que seria aconselhável para a própria RENAMO. Aliás até o próprio líder da RENAMO, Ossufo Momade, na conferência de imprensa que deu, destacou que eles vão pelo caminho da Justiça.
Com isso, eu não quero dizer que uma manifestação não faça parte da democracia, naturalmente que ela faz. Mas a questão é apenas a forma como esse recurso é vendido e, por enquanto, eu não tenho a impressão de que essa mudança tenha ocorrido.